SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Os Sertões: Contemporâneo da Posteridade

O livro número um do Brasil” - que neste dezembro completa 106 anos de publicação - diz muito de um drama da história nacional, e também de dramas dos tempos atuais.
Mauro Rosso (*)
Excertos do Artigo publicado no Jornal Francês "Le Monde" em 10.12.2008
“Só as obras bem escritas hão de passar à posteridade": palavras lapidares escritas por um naturalista, o conde de Buffon (mais conhecido por uma frase que se tornou famosa: ‘le style cest lhomme même’), ao tomar posse na Academia Francesa, em 1753. “Os Sertões” estão fadados à posteridade. A obra-prima de Euclides da Cunha completa 106 anos celebrada por muitos, muitíssimos motivos — em especial por sua espantosa atualidade

Já se falou e escreveu — vai-se falar e escrever sempre, ao que parece — de sua linguagem difícil: o que não o impediu de ser o primeiro best-seller da história editorial brasileira, com três edições sucessivas no lançamento, a 2 de dezembro de 1902, (ou seja, cinco anos após o fim de Canudos), pela editora Laemmert, e de ser consensualmente considerado “o livro do Brasil”, “a obra número 1”. É bom lembrar que o “livro vingador” — assim ele mesmo, Euclides da Cunha, o batizou, ao lançá-lo — teve sua primeira edição (custeada com recursos próprios do autor) de 2 mil exemplares, rapidamente esgotados.
O que mais dizer de um livro que conta com mais de 30 edições em português, traduzida em 3 idiomas, em mais de 60 países — em muitos deles foram feitas traduções sucessivas, em tentativa de contínuo aprimoramento. Mas, por outro lado, é equivocado pensar que sobre “Os Sertões” tudo já foi dito, lido, ouvido e escrito: muito há o que comentar, muito o que refletir, muito até mesmo o que de críticas e ressalvas ouvir e ler, muito o que debater e meditar.


O que fez, e faz, “Os Sertões” tão célebre?

A consagração de Euclides e de sua obra se de um lado foi, à primeira vista, um fato relâmpago e inesperado — um anônimo engenheiro e pouco conhecido jornalista ter se transformado no mais celebrado escritor do país, na época — de outro está sedimentado por dois fatores básicos: 1) a aceitação de alguns conceitos — chave de “Os Sertões” relacionava-se com um longo trabalho de imposição de novas idéias e concepções e de novos valores que vinham sendo gestados no país há pelo menos 30 anos — o cientificismo da ‘geração 1870’; 2) a consagração-relâmpago foi impulsionada por alguns dos críticos literários mais importantes do país, José Verissimo, Araripe Junior e depois Silvio Romero — além de Roquette-Pinto. Todos enalteceram, insistindo em signos de raridade na obra, mostrando o quanto texto, tessitura, forma, estrutura e conteúdo escapavam do comum, do conhecido — e os ensaios críticos que vieram em seqüência, ao longo dos anos (e até hoje), enfatizam esse caráter de descobertas de verdades fundamentais para o destino do país, como “a tese dos dois Brasis”, a necessidade de olhar para o interior, para “o Brasil real”. O consenso era de que “Os Sertões” não podia ser comparado a nenhum outro livro: era “uma bíblia permanentemente aberta para interpretações, vindas de diversas áreas: literatura, história, geografia, geologia, política, biografia, matemática, engenharia”. Tanto Veríssimo como Araripe sublinhavam a idéia de totalidade encontrada no livro, resultado da soma da arte com a ciência, do épico com o trágico e da emoção com a razão. Euclides produzira uma obra científica, uma obra histórica, mantendo “a continuidade da emoção, sempre crescente, sempre variada, que sopra rija, de princípio a fim, no transcurso de 634 páginas, um livro fascinante, resultado de um conjunto de qualidades artísticas e de preparo científico”. Eis aí uma das vertentes do aspecto ‘ fundador’ da obra, tão mencionado pelos críticos literários ao longo do tempo.

... Entre os supostos deslizes literários, mostrando que a posteridade não é um refúgio seguro nem para os grandes gênios, inclui-se o comentário de Joaquim Nabuco ao conferir a Euclides a responsabilidade por um certo mau estilo das gerações que o sucederam. Gerardo Mello Mourão, por sua vez, acha que o barroco euclidiano degenerou “no rococó dos deslumbrados, que produziu no Brasil uma literatura altissonante e suspeita, na qual se pode inscrever a obra do próprio Guimarães Rosa”. Independentemente do sucesso de público e de crítica, sua perpetuação, sustenta a antropóloga, pesquisadora e ensaísta Regina Abreu, está relacionada a demandas sociais. Ao ser transformada em monumento, símbolo nacional ou fenômeno cultural, uma grande obra literária extrapola suas características iniciais, passando a desempenhar funções sociais que ultrapassam seu valor essencialmente literário. “O coroamento de “Os Sertões” teve o mesmo efeito de um tombamento, como ocorre com um bem arquitetônico”, ela explica; “é como ‘semióforos’, dotados de um valor simbólico que ultrapassa o valor de uso; considerados preciosidades, estão investidos de valor sagrado. Tornam-se um culto”.

Sertão, Pureza e Autenticidade

Euclides da Cunha nasceu e se criou na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX — uma sociedade monárquica dominada por grandes proprietários de terra e de escravos, em que vigorava o espírito da “sociedade de corte”. Na seara literária, era época da incipiência do naturalismo/realismo — de um naturalismo com cunho cientificista — ascendente sobre o romantismo(então representado sobretudo por Machado de Assis e José de Alencar); tempo ainda da proliferação da temática do sertão e do interior, de profusão de ‘escritores sertanejos’ — e nesse contexto, por força desse vetor, “Os Sertões” encontrou ‘campo fértil’ de aceitação e, face à sua qualidade excepcional, de celebração definitiva.
Sobre o episódio de Canudos outros autores escreveram, à época: Afonso Arinos, que já era conhecido por focalizar o tema d”Os Sertões” e contar histórias de sertanejos, com Os jagunços _ novela sertaneja ; Manoel Benício, com O rei dos jagunços; até Artur Azevedo criou uma peça, “O jagunço” , encenada no Rio de Janeiro em 1897; e Machado de Assis (ele mesmo), escreveu oito artigos entre 1894 e 1897 (22/7/94; 13/9/96; 06/12/96; 27/12/96; 31/01.97; 07/02/97; 14/02/97; 11/11/97) em sua coluna “A Semana”, publicada no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro.
Mas Euclides, diferentemente da maior parte desses autores que escreveram sobre Canudos, preferiu não editar suas anotações escritas no ‘calor da hora’ dos acontecimentos, registradas no Diário de campanha e nos esboços do livro que a princípio intitulara “Batalhas dos soldados de São Paulo”, para amadurecê-las à base de seu arraigado cientificismo e à luz de novas leituras de trabalhos científicos: o recolhimento em São José do Rio Preto deu-lhe as condições necessárias a esse amadurecimento. Assim, “antecipou um comportamento que seria tônica entre os cientistas sociais, inaugurando de certa forma o ‘trabalho de campo’ seguido da postura de distanciamento e de reflexão teórica sobre o material recolhido”, segundo o crítico e ensaísta José Guilherme Merquior.

... Euclides também se distinguiu dos demais escritores da ‘voga sertaneja’ por vir apoiado em discurso científico, novidade na época, que deu ao livro ‘autoridade’ superior (ao mesmo tempo ‘legitimadora’ das demais obras sertanejas) e forneceu condições para que idéias e conceitos emitidos apenas como impressão ou opinião ganhassem estatuto de fatos ‘cientificamente’. O sertão tornou-se via privilegiada para uma leitura do Brasil tanto do ponto de vista literário e artístico quanto da tradição de estudos de etnografia e folclore: na esteira dessa via vieram Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, até mesmo Glauber Rocha no cinema e Mestre Vitalino na arte popular artesanal.
A grande novidade foi justamente “o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira”, o que coloca Euclides no lugar de “pai fundador da sociologia no Brasil”, pois segundo Antonio Candido “toda a onda [da voga sertaneja] vem quebrar em “Os Sertões”, típico exemplo de fusão, livro posto entre a literatura e a sociologia naturalista, que assinala um fim e um começo: o fim do imperialismo literário, o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira, no caso as contradições contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o interior”.

... O naturalismo/realismo era acima de tudo “uma extensão literária da mentalidade cientificista em que o espírito positivista, ‘a glorificação do fato’, dominava o cenário intelectual, eliminados os últimos resquícios da educação humanística, dando livre curso à religião da ciência. Repudiando em bloco o espiritualismo da fase romântica, a ‘geração de 1870’ adere em massa ao empirismo materialista __ e Euclides é dessa geração; nela nasceu, nela viveu e por ela foi formado __ daí ser o romance realista uma “narrativa de tese”, uma narrativa que comprova o encadeamento causal dos acontecimentos, exibindo sua dependência de fatores biológicos ou ecológicos.
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... Euclides da Cunha, embora “Os Sertões” fosse o seu primeiro livro, já havia atingido um alto estágio de amadurecimento, revelando nessa obra um perfeito domínio da língua e uma clara consciência da sua arte: o crítico Wilson Martins, por exemplo, reconhece que todos os elementos que formam o estilo euclidiano, e que em qualquer outro escritor” poderiam resultar em desastre”, salvam-se graças ao “poder transfigurador do grande artista da palavra que nele preexistia”. O crítico e ensaísta Alfredo Bosi sustenta que pode-se ler a obra principal de Euclides aproximando-a da prosa do seu tempo: naturalista no espírito, acadêmica no estilo”.Bosi argumenta ainda que Euclides não se teria tornado um dos nomes centrais da cultura brasileira pelo determinismo estreito das idéias nem pelo rebuscado da linguagem : Euclides implementou “uma consistência nova em nossas letras: o estatuto da contradição , expressa no livro em forma de opostos inconciliáveis”. Contradição e jogo de opostos, dicotomia tese/antítese que de resto constituem a essência mesma de toda a obra euclidiana — os ‘contrastes e confrontos’ (que deram título, aliás, a uma delas)

... “’Os Sertões’ permanece atual, desafiando o tempo”, sustenta a ensaísta Walnice Nogueira Galvão. “O papel de Euclides da Cunha na construção da memória da Guerra de Canudos é fundador”, reitera; “’Os Sertões’ narra a conversão de Euclides, que foi para lá levar a civilização e o progresso e, quando viu, estava levando o massacre dos pobres; o livro fez por uma insurreição popular o que nenhum outro foi capaz de fazer, no país: alçou-a a tragédia paradigmática, mediante o louvor à coragem do sertanejo”. E dessa maneira, sentencia Walnice, “legou seu libelo à posteridade”.

... Para Merquior (José Guilherme), “’Os Sertões’. é o clássico do ensaio de ciências humanas no Brasil”, numa época, enfatiza, em que os estudos sociológicos ainda conservavam muitas afinidades com a formação humanística. É exemplo notável de uma “intelectualização da literatura”, num livro meio científico meio literário que abordou “alguns temas atualissimos da pesquisa antropológica”: um deles, da mística do advento do Reino de Deus por intermédio do messias Conselheiro — e aqui surge o tema do messianismo e do sebastianismo (dos mais polêmicos : no que tange ao caso de Canudos, guarde-se as devidas cautelas acerca das peculiaridades e acepções que “a mais famosa, dramática e peculiar manifestação messiânica brasileira , simbolizada pela figura
de Antônio Conselheiro , afirmando ou negando o índice messiânico daquela comunidade); outro, “o fato de Euclides da Cunha ter sentido muito lucidamente o problema da definição sociológica de certas formas de anormalidade mental”, escreveu Merquior. Ao reconhecer o entrosamento dos aspectos irracionais da personalidade do ‘profeta de Canudos’ com as aspirações e carências de uma comunidade rústica, sufocada por flagelos naturais e indiferença das camadas dominantes, Euclides “intuiu brilhantemente a natureza psicossocial da noção de loucura, dessa ‘zona mental onde se acotovelam gênios e degenerados’; sobre Antônio Conselheiro, cujo delírio místico traduzia o desespero de uma sociedade, Euclides afirmou que ‘foi para a História como poderia ter ido para o hospício’. Vale dizer, “o positivista Euclides suspeitava da existência de uma ‘sociologia do psiquismo’, do mesmo modo que o darwinista social constatara a força titânica das ‘raças inferiores’. Fulgurante pela transbordante energia poética de seu estilo narrativo, ‘Os Sertões’ sobrevive ‘ad eternum’ também por seus inovadores vislumbres sociológicos - inéditos e ‘revolucionários’ para a época, absolutamente válidos e instigantes hoje”, sublinhou Merquior.

Síntese e Impasse

Berthold Zilly, professor no Instituto Latino-americano da Freie Universität Berlin e o tradutor alemão de “Os Sertões”, registra: “Euclides da Cunha chamou a atenção para os excluídos em obra fundadora da nacionalidade”. E observa que “o escritor é mais clarividente do que o pensador. O ideólogo republicano e cientificista Euclides da Cunha cada vez mais cede lugar ao patriota e homem cheio de empatia e de compaixão do mesmo nome, que se considera ´narrador sincero´, representando a realidade através de um ´consórcio’ da ciência e da arte”.Zilly destaca que entre as suas visões inovadoras merece destaque a valorização da mestiçagem como processo fundamental para a formação da sociedade sertaneja e brasileira. “Na história do pensamento social do país, Euclides, com sua elevação do sertanejo a herói nacional, constitui importante elo de ligação entre o viajante alemão Martius, que no seu tratado ‘Como se deve escrever a história do Brasil’, publicado em 1844, reinterpretou a mestiçagem como processo necessário e positivo para a constituição do Brasil como nação, e o sociólogo Gilberto Freyre, com seu ensaio clássico Casa-Grande e senzala”. A glória e a atualidade de “Os Sertões”, registra Zilly, nem tanto se devem às informações e às reflexões sobre a guerra e o sertão, que se encontram em numerosos outros escritos da época, mas principalmente “à sua arte encenatória, sugestiva e plástica, à sua força imagética, à sua prosa altamente retórica e poética, entre sarcástica e sublime, à sua teatralização do meio, dos eventos e dos personagens; o caráter sagrado do sertão, na visão dos canudenses, passa para a obra, o assunto santifica o texto. Raramente na história da literatura a identificação entre uma realidade e a sua representação é tão intensa quanto em “Os Sertões””.Segundo Zilly, é isso que explicaria o extraordinário êxito junto ao público letrado, à opinião pública, aos críticos literários e aos próprios historiadores, “ justamente, o caráter abrangente da obra, que pode ser encarada como summa, e ainda sua indefinição, ou melhor, a multiplicidade de gêneros literários que condensa, sua capacidade de congregar as mais variadas informações, atitudes, formas de enunciação — relatos, poemas, pichações de paredes, artigos e livros sobre a guerra — incorporando, portanto, vários tipos de texto: crônica, lenda, depoimento, diário, tratado geográfico, etnográfico e historiográfico, formas populares simples e ainda romance, ensaio, discurso forense e político, oração fúnebre, tudo amalgamado num estilo relativamente coeso, próprio, inconfundível”. Enfatiza que o livro reúne as três formas básicas da literatura — a epopéia, o drama e a lírica — “um livro-síntese de temas, pontos de vista, métodos de pesquisa e ideologias, quase uma enciclopédia do sertão, que ‘digere’ todo tipo de texto anterior sobre o assunto, obra polissêmica, por isso mesmo sugestiva, instigadora da imaginação do leitor, radicaliza suas contradições, exacerba os paradoxos. ‘Os Sertões’ são muitos livros em um só”
...

Modernidade

“Os Sertões” recebe, de Gilberto Freyre, uma interpretação que sublinham seu caráter ‘fundador e canônico’. O autor de Casa grande & senzala apontava “a eternidade e incolumidade” da obra diante de um movimento cada vez mais radical de mudança de eixo para interpretação dos fenômenos sociais: o conceito de raça, pelos idos de 1940, como explicativo para o social, estava sendo derrubado, e as ciências sociais proclamavam sua autonomia frente às ciências da natureza. “Como então “Os Sertões”, que tinha em grande medida como quadro conceitual as ciências da natureza, mantinha-se [e mantém-se] atual, glorificado em edições e mais edições, traduções? Como resistiu ao movimento de releitura da raça como fator de inferioridade, explicativo da sua gênese?”, indaga Freyre, para ele mesmo responder: “porque Euclides da Cunha, ainda que resvale no pessimismo dos descrentes da capacidade dos povos de meio-sangue para se afirmarem em sociedades equilibradas e organizações sólidas, uma descrença lastreada no fatalismo da raça, no determinismo biológico,ao tentar compreender a psicologia do sertanejo, fez um ensaio revelador sobre a formação do homem brasileiro. Desmistificou o pensamento vigente entre as elites do período, de que somente os brancos de origem européia eram legítimos representantes da nação. Mostrou que não existe no país raça branca pura, mas uma infinidade de combinações multirraciais. Previu um destino trágico para o Brasil, se o país continuasse a não levar em conta as diversas raças que o formaram. Mostrou que o Brasil tinha contradições e diferenças étnicas e culturais extremas. Concluiu que havia uma necessidade imperiosa de se inventar uma raça. Caso contrário, o Brasil seria candidato a desaparecer”.
Apesar de imerso num contexto intelectual e sociológico onde predominava o determinismo biológico, Euclides teve, no entender de Freyre, a lucidez de perceber que “o movimento do Conselheiro foi principalmente um choque violento de culturas: a do litoral modernizado, urbanizado, europeizado, com a arcaica, pastoril e parada d”Os Sertões”. E esse sentido social e amplamente cultural do drama, ele percebeu-o lucidamente, embora os preconceitos cientificistas, principalmente o da raça, lhe tivessem perturbado a análise e interpretação de alguns dos fatos de formação do Brasil que seus olhos agudos souberam enxergar, ao procurarem as raízes de Canudos". Ao tecer o perfil de Euclides da Cunha como escritor além de seu tempo, intuindo o primado do fator cultural no estudo das sociedades num ambiente intelectual, sociológico e antropológico em que predominava a noção de raça como elemento explicativo do social, Gilberto Freyre propõe nova atualidade para o autor de “Os Sertões”.

***

... No lastro da posteridade, porque “Os Sertões”, simbiose entre jornalismo, literatura, história, ensaísmo, ciência, geografia, sociologia, antropologia, geologia, é obra de múltiplos atributos primordiais: factualidade, perenidade, atualidade.

Factualidade, por ser antes de tudo de uma obra jornalística (mas tão grandiosa que abriga outras características), livro de um jornalista, “o maior feito jornalístico das letras brasileiras ou o maior feito literário do jornalismo brasileiro”, ao retratar um dos episódios mais marcantes da história republicana, registrar o conflito “elite x povo”, “sertão x litoral”, “monarquia x república”, e sobretudo expor condições e situações sociais e culturais de contingentes populacionais, obra que é “uma epifania de brasilidade, uma fala do Brasil”.
Perenidade, em sendo um cânone literário, por constituir-se uma das obras fundadoras da nacionalidade, “a mais representativa da cultura brasileira de todas as épocas”, capaz de expressar importantes dilemas nacionais que extrapolam a própria narrativa da tragédia de Canudos; obra incluída entre os textos fundadores, fontes da historiografia literária : Euclides, ao lado de Manuel Bonfim e Gilberto Freyre, como um dos pioneiros grandes intérpretes do Brasil ; um dos textos básicos de “história e construção do pensamento brasileiro” , um acervo formado por obras de Gonçalves de Magalhães, Francisco Varnhagen, Marquês de Maricá, Joaquim Norberto de Souza e Silva , José do Patrocínio. Perenidade, ainda, por ser inovadora de uma literatura-denúncia;
Atualidade por “chamar a atenção para os excluídos”, denunciar uma questão social, expor mazelas e injustiças, a miséria, a fome, registrar “tendências conflituosas da sociedade brasileira”, enfocar “um Brasil injusto e dividido”, anotar a religiosidade, a crendice, o misticismo e o messianismo — algo sempre latente no cenário político brasileiro (a eterna expectativa pelo ‘pai da Pátria’, pelo ‘salvador da Pátria’).

Sobretudo, a atualidade da obra deve-se à inquietação que seu caráter de denúncia provoca, um livro que oferece a oportunidade de ,a partir de Canudos, ter uma visão clara de questões de origens sociais.
“Os Sertões” diz muito de um drama da história brasileira, e também de dramas dos tempos atuais.
(*) Mauro Rosso é professor e pesquisador de literatura brasileira. Tem vários livros publicados — entre eles Cinco minutos e A Viuvinha, de José de Alencar: edição crítica (2003), São Paulo, a cidade literária (2004), Machado de Assis e a economia: o olhar oblíquo do acionista (org. com Gustavo Franco - 2007) — recém-publicado — caso de Contos de Machado de Assis: relicários e raisonné (editora PUC-RioEdições Loyola) — obras no prelo — como Machado de Assis e a política: crônicas (Senado Federal), Contos argelinos de Lima Barreto (ed. Língua Geral) — e a publicar – por exemplo, “A ficção política de Machado de Assis: contos, poemas, teatro" (s.ed.), “Queda que as mulheres têm para os tolos: Machado de Assis, o subterfúgio, o feminino, a transcendência literária".
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