SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Resposta a Frederico

Alcino Alves Costa (*)

A Globo News, no dia 07 de novembro de 2010, no horário das 22 horas, exibiu para todo o Brasil a tão esperada entrevista do notável historiador e pesquisador do cangaço e de Lampião, Frederico Pernambucano de Melo.
Com a competência e o seu imenso saber sobre as coisas do cangaço, o ilustre historiador discorreu sobre fatos e passagens da vida cangaceira, do viver e proceder de Virgolino Ferreira da Silva – Lampião.
Mesmo sabendo e reconhecendo a profundidade do conhecimento e da ilimitada aptidão que Frederico possui em relação a seus escritos, as suas afirmações, os seus registros e o zelo que ele tem em favor da própria história, eu não consegui absorver e nem aceitar algumas de suas respostas a Francisco José, o repórter da Globo.
Eis pelo menos duas:
A primeira foi ao responder uma pergunta do entrevistador, que lhe inquiriu sobre qual a relação possível havida entre o cangaço e o litoral. O nosso querido mestre e amigo deixou-me atarantado. A sua resposta foi deveras surpreendente, pois, afirmar que o cangaço nasceu da insurreição ao modo de vida e da grandeza do litoral, deixou-me abismado.
A segunda resposta causou-me admiração. Indagado sobre a escolha dos chefes dos subgrupos, Frederico disse sem pestanejar que os mesmos eram escolhidos pela sua capacidade de bordar.
Estas duas afirmativas fizeram com que eu me sentisse envolvido por uma perplexidade muito além do imaginado. Dizer-se que o cangaço nasceu e floresceu em virtude de uma insurreição sertaneja para com o viver e a grandeza do litoral, é de uma fragilidade monstruosa, sem nenhum embasamento, distante, muito distante da realidade histórica do campônio, quase que primitivo, de nosso mundão caboclo.
Estou longe, muito longe, do conhecimento cultural deste monumental vaqueiro da história, não só do cangaço mas, também, do nordeste brasileiro. No entanto, não posso deixar de emitir através deste artigo a minha posição sobre o nascimento do cangaço e dizer que, para ser justo comigo mesmo, não concordo e não aceito esta afirmação de nosso fabuloso pesquisador.
Como nasceu o cangaço e o cangaceiro? Na minha visão, a raiz do cangaço está na tremenda medição de forças, que varou os anos, entre as poderosas famílias sertanejas e a força prodigiosa dos grandes fazendeiros, especialmente aqueles que se tornaram coronéis legitimados e outorgados que foram, primeiro pelas Velhas Ordenanças e, depois, pela Guarda Nacional do Regente Feijó, em 1831.
Inicialmente, o fazendeiro e o coronel tiveram no jagunço a sua proteção e garantia. Com o passar dos anos surgiram os cangaceiros, estes libertos e errantes. Aqueles que fazem parte do seleto grupo de Jesuíno Brilhante, nascido de uma intriga com determinada família, passando por Antônio Silvino, Sinhô Pereira e outros de luz de menor claridade, até chegar a Lampião, a grande e inigualável estrela que colocou os bandos cangaceiros no ápice do andejar pelos campos e caatingas das terras bem distantes das quebradas do mar.
Quanto à segunda afirmação, aquela em que foi dito que Lampião privilegiava com a chefia dos subgrupos de seu numeroso contingente, aqueles que sabiam bordar, é uma assertiva descabida e que não merece ser levada em consideração. Dizer-se que Zé Baiano, Zé Sereno, Mariano, Corisco, Labareda, Juriti e outros só foram escolhidos para chefiar alguns dos subgrupos porque sabiam bordar é uma verdadeira aberração. Com certeza nenhum pesquisador comunga com esta afirmativa.
Que me desculpe e me perdoe Frederico Pernambucano, essa sua declaração não condiz com tudo aquilo que você representa e nos enche de orgulho em tê-lo como nosso vaqueiro-mor da história sertaneja e da “Era Lampião”.
Não é minha intenção desmerecer a imensa, justa e merecida capacidade e conhecimento deste admirável caçador de nossa história cabocla. Não se pode esconder a admiração que todos nós, que vivemos a rastejar as pegadas de Virgolino Ferreira pelas veredas, bibocas e cafundós da terra cabocla e árida de nossos sertões, temos por este admirável ser humano de tantos e tantos predicados. Todavia, mesmo sentindo um aperto em meu coração e com receio de ferir a sensibilidade deste homem que pautou a sua vida em favor da dignidade e do bom proceder, senhor de valores ilimitados, professor dotado de cuidadoso zelo, cuidado e carinho para com os seus registros, feitos e atitudes; mestre que é um paradigma da narração de fatos notáveis ocorridos na vida do povo sertanejo; mesmo assim, meu querido mestre, a minha formação, a minha inquietude em relação às incontáveis histórias, historietas e estórias dos tempos do cangaço e da própria vida do homem do campo, fazem com que eu fique completamente dominado por esta vontade de, mesmo que quase impossível, me aproximar das verdades dos fatos e contestar aqueles que me parecem inverossímeis.
É este o motivo deste artigo. Em minhas pesquisas e em meus estudos, especialmente sobre os últimos nove anos de Lampião e seu bando nas terras do Sertão do São Francisco, em Sergipe, jamais conversei ou entrevistei alguém que dissesse que a maioria dos cangaceiros, especialmente os subchefes de grupos, bordava. Até parece que ser mestre em costurar e bordar era a condição maior para que eles pudessem alcançar tal privilégio, o privilégio de chefiar um bando.
E o uso dos punhais, era uma influência das facas dos pampas?

(*) Escritor, pesquisador. Sócio da SBEC.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Alcino,
Tenho todo respeito pelos mestres (você, Amaury e Frederico), mas a entrevista do amigo Frederico também me deixou bastante confuso com declaração que os subchefes eram escolhidos pela habilidade de bordar, realmente foi uma grande surpresa.
Infelizmente nos últimos anos estão glamurizando demais a História do Cangaço, e em especial de Lampião.Por isso lanço um desafio aqui aos grandes mestres que unam forças ( e principalmente conhecimentos)para que tenhamos uma obra escrita a várias mãos , somente desta maneira o grande público e o pesquisadores e curiosos poderão ter algo que não seja tão contestado.
Um grande abraço a todos.

Jairo Luiz Oliveira - Turismólogo
ROTA DO CANGAÇO XINGÓ
Piranhas - Alagoas

acessos nos últimos 30 dias