SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

terça-feira, 24 de março de 2009

Patativa do Assaré

Kydelmir Dantas (*)
Arte: Arievaldo Viana
Segundo os pesquisadores, “as penas plúmbeas, as asas e cauda pretas da patativa, pássaro de canto enternecedor que habita as caatingas e matas do Nordeste brasileiro, batizaram o poeta conhecido em todo o Brasil como ‘Patativa do Assaré’, referência ao município em que nasceu”. Na semana de sua viagem ao infinito, foi publicado o seguinte artigo, por nós escrito, no centenário jornal “O MOSSOROENSE”:

AVE! PATATIVA...

ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, município de Assaré (CE). Filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Casado com dona Belinha, tiveram 9 filhos deste enlace.
Publicou os seguintes livros:
INSPIRAÇÃO NORDESTINA - 1956.
CANTOS DA PATATIVA - 1966.
CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ - 1978.
ISPINHO E FULÔ - 1988.
AQUI TEM COISA - 1955.
DIGO E NÃO PEÇO SEGREDO - 2001.
BALSEIRO (Vol. I e Vol. 2) - 1998 e 2001, em parceria com outros poetas de Assaré – CE.

De sua vinda a Mossoró, pela primeira vez, saiu a poesia:

ASSARÉ E MOSSORÓ

Curiosidade e vontade
De ver Mossoró eu tinha.
Hoje vi e sei que a cidade
É diferente da minha.
Porém isto é natural,
Este mundo é desigual,
Tem o rico e o pobre Jó.
No meu estilo singelo,
Faço aqui um paralelo
Entre Assaré e Mossoró.

Eu vejo que é Mossoró
Diferente de Assaré.
Um com a tônica no o,
O outro, a tônica no e.
Assaré, modesto e pobre,
Mossoró, pomposo e nobre,
Onde a cultura se expande.
Um do outro longe está,
Assaré no Ceará,
Mossoró no Rio Grande.

Assaré não é lembrado,
Por entre as folhas da história.
Mossoró, no seu estado,
É grande padrão de glória.
Não me convém que me afaste,
A prova deste contraste
Com evolução completa.
Mossoró desenvolvido
E Assaré só conhecido
Através de seu poeta.

Nos meus versos justifico,
Cada qual tem clima ameno.
Mas Mossoró, grande e rico,
E Assaré, pobre e pequeno.
Para que ele se destaque,
Vou rogar ao Deus de Isaque
De Abrahão e de Jacó.
Talvez assim ele, um dia,
Tenha a mesma fantasia
Que agora tem Mossoró.

Nesta singela linguagem,
Neste estilo popular,
Ofereço esta mensagem,
Ao bom povo potiguar.
Onde fui bem recebido
E, ao meu Assaré querido,
Minha terra, meu xodó,
Voltarei bem satisfeito,
Levando dentro do peito,
Saudade de Mossoró.
(Coleção Mossoroense - série D - Cordel nº 3 - Mossoró - RN, março de 1997)

Poesias musicadas:
· A TRISTE PARTIDA (Luiz Gonzaga)
· VACA ESTRELA E BOI FUBÁ (Fagner)
· INGÉM DE FERRO (Alcimar Monteiro)
O BOI ZEBÚ E AS FORMIGA
CABOCLA DOS ZÓI REDONDO (Téo Azevedo, gravação: Chico Sales)
FESTA DA NATUREZA (musicada por Gereba e Gravada por Fagner).

A Saúde de Patativa
Mesmo hospitalizado o gênio não perdia o bom humor e se divertia com as roupas (camisola) que lhe vestiram no Hospital:

“Eu já vivi divertindo,
Para dar prazer ao povo.
Agora eu estou vestindo,
Roupa de menino novo.”

Ao ser perguntado sobre seu estado de saúde, respondia:
“Preciso que lhe responda,
Que a vida é muito ruim.
Pois tem até uma sonda,
Sondando dentro de mim.”

No dia 22/03/1997 estivemos na casa de Patativa, para entregar-lhe o diploma de SÓCIO HONORÁRIO da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço - SBEC, juntamente com os pesquisadores Paulo Gastão, Lemuel Rodrigues e Roosevelt Lacerda.
Ao solicitarmos o autógrafo no livro AQUI TEM COISA, ele nos disse estar quase cego, vendo muito pouco, e só ia colocar o nome. Assim o fez, sem afastar a caneta do papel escreveu: Palaliva do Assare. Recebendo o livro de suas mãos, notamos os erros, não pensando em corrigí-los pois, para nós, era uma relíquia. Porém, num lampejo, ele corrigiu o que tinha escrito da seguinte forma:

Olhe, tá autografado Aqui.
Mas tenha muito cuidado,
Para não sair errado
Corte o t e pingue o i.

O poeta, na sua grandeza, faz um pedido a morte:

“Morte, você é valente,
O seu poder é profundo,
Quando eu cheguei neste mundo,
Você já matava gente.
Eu guardei na minha mente,
Este seu grande rigor,
Porém lhe peço um favor,
Para ir ao campo santo,
Não me faça sofrer tanto,
Morte, me mate sem dor!”

No dia 08 de março de 2002 Patativa se despedia da vida terrena, foi cantar e encantar os Santos e anjos do céu. Continuará vivo nas suas poesias, músicas, imagens e no reconhecimento dos que o admiravam.
De todas as poesias a mais conhecida é, sem sombras de dúvidas, A TRISTE PARTIDA, que foi musicada pelo Rei do Baião, LUIZ GONZAGA, em 1964, e é sucesso até hoje. Dos livros, o mais conhecido é CANTE LÁ QUE CANTO CÁ. Após mais de 20 anos sendo estudado na Universidade de Sorbonne, na França, na cadeira de Literatura Popular, a partir de hoje, 08/07/2002, deverá ser alvo de estudos no Brasil. Finalmente a maioria dos intelectuais irão conhecê-lo. O povão, para quem dirigia seus versos e de onde veio, já o conhecia de sobra.
Resta-nos a certeza e a felicidade de termos convivido, mesmo por apenas um dia, com o Gênio da Poesia Popular PATATIVA DO ASSARÉ.

AVE! PATATIVA...
(Kydelmir Dantas)

O dia ficou mais triste,
A tarde escureceu,
Os passarinhos calaram,
A viola emudeceu.
Quando nas rádios falaram
E os jornais noticiaram:
PATATIVA faleceu.

Patativa do Assaré,
Partiu para outra vida,
Deixando, com a sua lida,
Poesia e amor de pé.
Pra que o Patativa viva,
Grito: Viva Patativa!
Cheio de esperança e fé.

Mossoró - RN, 16/02/2002.

Em homenagem ao seu Centenário.

(*) Pesquisador, cordelista, Secretário Geral da SBEC.

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