SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

domingo, 8 de março de 2009

Mulheres aos Sábados

Ana Cristina Cavalcanti Tinoco (*)
Arte: "Lavadeiras" (Jorge Barradas) - Litografia - Portugal 1933.
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À Ilka, filha amada, tão distante dos meus braços mas tão perto do meu coração;
à mamãe, irmãs, tias, sobrinhas, primas, cunhadas, amigas de luta e de prazer.
Pelo nosso dia, meu melhor momento.

Mulheres aos sábados são múltiplas e únicas. Sentem, mais do que em qualquer outro dia, a dor e a delícia de serem mulheres. Umas acordam felizes, saúdam o sol e saem para abraçar o mar. Outras acordam entediadas. Sabem o que lhes aguardam: a lavagem da geladeira; pilhas de pratos e panelas das refeições da próxima semana. Tanques, ou para as mais sortudas, máquinas de lavar recheadas com roupas sujas. Enquanto esfregam calcinhas, meias e cuecas, choram ansiando pela libertação da escravatura imposta pelo gênero. Mas cantam. E neste canto de entorpecimento, igualam-se às irmãs molhadas, que lavam nos rios, batendo roupas nas pedras, como se fossem mulheres medievais.
Mulheres aos sábados chegam dispostas ao supermercado. Acomodam filhos pequenos entre mercadorias racionadas. Eles próprios, frutos racionados do planejamento familiar imposto pelos salários minguados. Alegram-se pelo charque para o feijão; pela margarina para o pão, pelo sabão azul. Outras adentram corredores com ar de enfado. Irritam-se com o querer sem limites dos filhos supernutridos. Escolhem abusadas as azeitonas mais gordas, o salmão mais rosado, os kiwis mais tenros. Desconhecem a realidade daquelas que procuram, ávidas, as ofertas de frutas e verduras na hora do grito da feira do Alecrim.
Mulheres aos sábados se dão ao lazer. Esquecem deliberadamente da maternidade quando chegam aos bares. Encontram conhecidos que aos poucos se metamorfoseiam. O querido amigo é um urso que deseja algo mais que um abraço. A colega de trabalho é, naquele momento, uma sarcástica hiena. A amiga engraçada, uma arara gasguita. Nos lábios molhados, já não distinguem mais entre o amargor da bebida e o salgado das lágrimas. Afogam as dores numa embriaguez desvairada. Esquecem o gênero e vivem o ser.
Mulheres aos sábados se dão ao prazer. Primeiro tornam-se princesas no salão de beleza. Limpeza de pele, manicure, pedicuro, hidratação e escova nos cabelos. Um cochilo com compressas geladas de chá de camomila nos olhos. Tudo para realçar a beleza. À noite, um vestido sensual, um perfume envolvente, o brilho de uma jóia falsa. E depois de dançar e se divertir, gemidos e palavras sussurradas entre paredes alugadas.
Mulheres aos sábados respiram poesia. Caminham por antigas ruas e sob um céu de tempestade anunciada duelam com ambíguos sentimentos. Enfrentam amados adversários com armaduras e escudos abstratos: um sorriso meigo para desarmá-los; dardos lançados pelo olhar paralisam o confronto e questionam: em nome de que paz estamos em guerra?
Mulheres aos sábados amanhecem domingos. Aproveitam o silêncio da casa que dorme. O café e o cigarro, noturnos e fiéis companheiros, jazem esquecidos ao lado das páginas que aos poucos são ocupadas por letras desordenadas, escritas por frenéticas mãos de quem se delicia e sofre com a diversidade e excentricidade de cada irmã.
(*) Poetisa, colaboradora da SBEC.

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