Durante o período de atuação de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião” como chefe cangaceiro, chama a atenção de quem deseja conhecer a sua história através dos jornais, a quantidade de notícias que se pode encontrar na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Em alguns dos muitos jornais que circulavam em Pernambuco no período compreendido entre os anos de 1918 a 1938, quase todos os dias, principalmente entre os anos de 1922 e 1933, é difícil não se encontrar alguma notícia sobre o “rei do cangaço” e o seu bando.
Muitas das antigas coleções destes jornais, provenientes de diversos pontos do estado de Pernambuco, estão devidamente encadernados e abertos à pesquisa, que pode ser feita de forma tranqüila, com pessoal especializado assessorando os pesquisadores, farto material, seguindo regras básicas de manuseio e correta utilização. Localizado na Rua do Imperador D. Pedro II, número 371, no bairro de Santo Antônio, próximo ao Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, esta repartição pública é um verdadeiro oásis de informações, onde aqueles que desejam se aprofundar nas pesquisas sobre o cangaço, certamente deverão sair com alguma nova informação.
Recentemente estive em Recife para mais uma pesquisa sobre o cangaço neste local. Manuseando cuidadosamente o grande volume onde estão encadernadas as edições do primeiro semestre de 1931, o jornal recifense “A Notícia”, na edição do dia 8 de março, que em meio a muitas notícias da famosa e malfadada tentativa do capitão-aviador Chevalier, de utilizar um avião para dar combate a Lampião e seu bando no interior da Bahia, na primeira página, traz uma nota que chama a atenção pelo título; “Lampião, O soberano Sinistro - Um Ex-Companheiro do Famoso Cangaceiro, Faz Interessantes Declarações a Imprensa Carioca”. O jornal pernambucano transcreve uma reportagem do periódico carioca “Jornal de Notícias”, com uma entrevista do então soldado do exército brasileiro, Otaviano Pereira de Carvalho. Ele é apresentado em relação a Lampião como “um homem que conhece os esconderijos, os seus processos, as suas táticas”. Otaviano, que dizia haver nascido na cidade cearense de Iguatu, estava agora, segundo o jornal, “incorporado à civilização”, não informou como se deu a sua entrada no bando.
Afirmou que “Lampião era um bom homem, que vivia na espingarda, mas era educado, possuía gestos de generosidade, distribuía dinheiro com os pobres, os cegos e falava pouco.” Otaviano informou que “no assalto a casa da baronesa o cangaceiro teria conseguido a fortuna de 150 contos de réis, brilhantes, rosários de ouro, onde o rosário principal estaria com uma suposta amante de Lampião, que vivia na fazenda do Maxixe, em Pernambuco”. Informa o modo como “a ação ocorreu através de um falso cortejo fúnebre que entrou na vila pela manhã cedo, onde as armas são retiradas de uma rede que supostamente traria um defunto, passando o grupo a atacar a casa do delegado e exterminam a vida deste militar”. Seguramente este pretenso ex-cangaceiro comentava sobre o famoso assalto ocorrido em 26 de junho de 1922, a casa da senhora Joana Vieira Sandes de Siqueira Torres, a Baronesa de Água Branca, moradora desse município alagoano, homônimo ao seu título de nobreza. Fato este que gerou forte publicidade para a atuação de Lampião e do seu bando.
Mas quem seria a amante da “fazenda do Maxixe”, em Pernambuco? Seria então Maria Bonita, que depois se deixou fotografar com o rico objeto?
O ex-cangaceiro Otaviano em nenhum momento fala algo negativo sobre seu suposto ex-chefe. Já em relação ao irmão deste, Levino, não nega palavras desaforadas; “Levino é um impossível. Eu queria ter um tostão, por cada moça que ele deixou a toa. É malvado. Mata só para ver a queda”.
Sobre os protetores e coiteiros de Lampião, o então militar narrou que um certo “Véio Praxedes”, que vivia próximo a Custódia, em Pernambuco, lhe guardava muitas munições. Sobre as armas comentou que “os fuzis do bando sempre eram utilizados serrados, tornando o armamento mais leve e ágil na sua utilização. O armeiro que deixava as armas preparadas seria um certo ferreiro de nome Zuza, do município cearense de Jardim, localizado na fronteira de Pernambuco”.
Comentou que “o melhor esconderijo de Lampião fica na Serra da Forquilha”, que teria sido descoberto pelo então falecido cangaceiro paraibano Cícero Costa. No local, Otaviano informou existir um precioso caldeirão de água.
Sobre a medicina típica do bando, ele comentou que “para ferimentos de bala, Lampião e seus comandados utilizavam água de caroá para lavar o ferimento, depois colocavam leite de favela e entre quatro a cinco dias a ferida cicatrizava satisfatoriamente”.
A reportagem enalteceu o comentário de Otaviano sobre o fato de Lampião não haver perseguido em 1926 a Coluna Prestes, na época do governo Artur Bernardes,. Disse que o ex-chefe era francamente favorável às revoluções no país, pois nestes períodos aproveitava para “descansar das perseguições”.
Sobre a propalada pontaria de Lampião, o jornal transcreveu as palavras do militar sertanejo na íntegra; “com um oio só faz o servicinho mío do que com dois oio”. Perguntado se ele era valente, comentou que Lampião “não tem preguiça de brigá, não”.
Já sobre de onde surgiu à alcunha de Virgulino Ferreira da Silva, o ex-cangaceiro comentou sobre uma interessante tese. Segundo ele, em uma ocasião que Virgulino estava na vila pernambucana de Nazaré, local de onde surgiram seus mais ferrenhos perseguidores, ele teria feito um grande escarcéu, “quebrando todos os lampiões que existiam no lugar” e daí surgindo o nome que tornaria este cangaceiro famoso.
Sobre a ação da polícia, chama a atenção os extensos e satisfatórios comentários feitos pelo ex-cangaceiro Otaviano, sobre a valentia e a forma de agir do então capitão Lucena, da polícia alagoana. Era o mesmo oficial José Lucena que em uma desastrada ação policial ocorrida em território alagoano, no ano de 1921, assassinou o pai de Virgulino, o pacato José Ferreira.
Durante toda a entrevista, Otaviano Pereira de Carvalho em nenhum momento comenta o seu nome como ficou conhecido no meio dos cangaceiros. Sua entrevista chama atenção pela falta de fotografias do entrevistado, maiores dados sobre o militar Otaviano no Exército Brasileiro e outras notas dissonantes. Seria para se proteger?
Não podemos esquecer que em 1931, o militar e político cearense Juarez Fernandes do Nascimento Távora, havia comandado as forças nordestinas que apoiaram Getúlio Vargas na implantação do movimento revolucionário de 1930 na região e ganha o apelido de “Vice-Rei do Norte”. Távora e a Revolução de 1930 desejavam alterar as bases políticas e econômicas existentes então no sertão nordestino, retirando tudo que representasse o atraso, daí se enquadravam desde os coronéis aos cangaceiros. Neste sentido, uma entrevista com um ex-cangaceiro, agora militar do Exército Brasileiro, mesmo que falsa, servia de maneira extremamente positiva ao novo regime.
Mas se Otaviano Pereira de Carvalho fosse realmente quem ele afirmava ser na entrevista? Aí só mais outras pesquisas para corroborar, ou não, a reportagem de capa do jornal pernambucano “A Notícia”, do dia 8 de março de 1931.
Evidentemente que aqueles que desejam trabalhar com a pesquisa histórica, seja em relação ao cangaço ou outros assuntos, venha a informação pesquisada oriunda de fontes orais ou documentais, conseguidas através de um diálogo com um informante, ou em uma hemeroteca de algum arquivo, não é nenhuma novidade comentar que o material analisado deve ser sempre visto com ressalvas e exaustivamente analisado.
Entretanto visitar arquivos, em um futuro não muito distante, deverá ser a principal forma de se pesquisar sobre o cangaço, pois enfim, o tempo não para, pois as testemunhas do cangaço estão seguindo seu caminho natural.
(*) Espeleólogo potiguar. Sócio da SBEC.
Muitas das antigas coleções destes jornais, provenientes de diversos pontos do estado de Pernambuco, estão devidamente encadernados e abertos à pesquisa, que pode ser feita de forma tranqüila, com pessoal especializado assessorando os pesquisadores, farto material, seguindo regras básicas de manuseio e correta utilização. Localizado na Rua do Imperador D. Pedro II, número 371, no bairro de Santo Antônio, próximo ao Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, esta repartição pública é um verdadeiro oásis de informações, onde aqueles que desejam se aprofundar nas pesquisas sobre o cangaço, certamente deverão sair com alguma nova informação.
Recentemente estive em Recife para mais uma pesquisa sobre o cangaço neste local. Manuseando cuidadosamente o grande volume onde estão encadernadas as edições do primeiro semestre de 1931, o jornal recifense “A Notícia”, na edição do dia 8 de março, que em meio a muitas notícias da famosa e malfadada tentativa do capitão-aviador Chevalier, de utilizar um avião para dar combate a Lampião e seu bando no interior da Bahia, na primeira página, traz uma nota que chama a atenção pelo título; “Lampião, O soberano Sinistro - Um Ex-Companheiro do Famoso Cangaceiro, Faz Interessantes Declarações a Imprensa Carioca”. O jornal pernambucano transcreve uma reportagem do periódico carioca “Jornal de Notícias”, com uma entrevista do então soldado do exército brasileiro, Otaviano Pereira de Carvalho. Ele é apresentado em relação a Lampião como “um homem que conhece os esconderijos, os seus processos, as suas táticas”. Otaviano, que dizia haver nascido na cidade cearense de Iguatu, estava agora, segundo o jornal, “incorporado à civilização”, não informou como se deu a sua entrada no bando.
Afirmou que “Lampião era um bom homem, que vivia na espingarda, mas era educado, possuía gestos de generosidade, distribuía dinheiro com os pobres, os cegos e falava pouco.” Otaviano informou que “no assalto a casa da baronesa o cangaceiro teria conseguido a fortuna de 150 contos de réis, brilhantes, rosários de ouro, onde o rosário principal estaria com uma suposta amante de Lampião, que vivia na fazenda do Maxixe, em Pernambuco”. Informa o modo como “a ação ocorreu através de um falso cortejo fúnebre que entrou na vila pela manhã cedo, onde as armas são retiradas de uma rede que supostamente traria um defunto, passando o grupo a atacar a casa do delegado e exterminam a vida deste militar”. Seguramente este pretenso ex-cangaceiro comentava sobre o famoso assalto ocorrido em 26 de junho de 1922, a casa da senhora Joana Vieira Sandes de Siqueira Torres, a Baronesa de Água Branca, moradora desse município alagoano, homônimo ao seu título de nobreza. Fato este que gerou forte publicidade para a atuação de Lampião e do seu bando.
Mas quem seria a amante da “fazenda do Maxixe”, em Pernambuco? Seria então Maria Bonita, que depois se deixou fotografar com o rico objeto?
O ex-cangaceiro Otaviano em nenhum momento fala algo negativo sobre seu suposto ex-chefe. Já em relação ao irmão deste, Levino, não nega palavras desaforadas; “Levino é um impossível. Eu queria ter um tostão, por cada moça que ele deixou a toa. É malvado. Mata só para ver a queda”.
Sobre os protetores e coiteiros de Lampião, o então militar narrou que um certo “Véio Praxedes”, que vivia próximo a Custódia, em Pernambuco, lhe guardava muitas munições. Sobre as armas comentou que “os fuzis do bando sempre eram utilizados serrados, tornando o armamento mais leve e ágil na sua utilização. O armeiro que deixava as armas preparadas seria um certo ferreiro de nome Zuza, do município cearense de Jardim, localizado na fronteira de Pernambuco”.
Comentou que “o melhor esconderijo de Lampião fica na Serra da Forquilha”, que teria sido descoberto pelo então falecido cangaceiro paraibano Cícero Costa. No local, Otaviano informou existir um precioso caldeirão de água.
Sobre a medicina típica do bando, ele comentou que “para ferimentos de bala, Lampião e seus comandados utilizavam água de caroá para lavar o ferimento, depois colocavam leite de favela e entre quatro a cinco dias a ferida cicatrizava satisfatoriamente”.
A reportagem enalteceu o comentário de Otaviano sobre o fato de Lampião não haver perseguido em 1926 a Coluna Prestes, na época do governo Artur Bernardes,. Disse que o ex-chefe era francamente favorável às revoluções no país, pois nestes períodos aproveitava para “descansar das perseguições”.
Sobre a propalada pontaria de Lampião, o jornal transcreveu as palavras do militar sertanejo na íntegra; “com um oio só faz o servicinho mío do que com dois oio”. Perguntado se ele era valente, comentou que Lampião “não tem preguiça de brigá, não”.
Já sobre de onde surgiu à alcunha de Virgulino Ferreira da Silva, o ex-cangaceiro comentou sobre uma interessante tese. Segundo ele, em uma ocasião que Virgulino estava na vila pernambucana de Nazaré, local de onde surgiram seus mais ferrenhos perseguidores, ele teria feito um grande escarcéu, “quebrando todos os lampiões que existiam no lugar” e daí surgindo o nome que tornaria este cangaceiro famoso.
Sobre a ação da polícia, chama a atenção os extensos e satisfatórios comentários feitos pelo ex-cangaceiro Otaviano, sobre a valentia e a forma de agir do então capitão Lucena, da polícia alagoana. Era o mesmo oficial José Lucena que em uma desastrada ação policial ocorrida em território alagoano, no ano de 1921, assassinou o pai de Virgulino, o pacato José Ferreira.
Durante toda a entrevista, Otaviano Pereira de Carvalho em nenhum momento comenta o seu nome como ficou conhecido no meio dos cangaceiros. Sua entrevista chama atenção pela falta de fotografias do entrevistado, maiores dados sobre o militar Otaviano no Exército Brasileiro e outras notas dissonantes. Seria para se proteger?
Não podemos esquecer que em 1931, o militar e político cearense Juarez Fernandes do Nascimento Távora, havia comandado as forças nordestinas que apoiaram Getúlio Vargas na implantação do movimento revolucionário de 1930 na região e ganha o apelido de “Vice-Rei do Norte”. Távora e a Revolução de 1930 desejavam alterar as bases políticas e econômicas existentes então no sertão nordestino, retirando tudo que representasse o atraso, daí se enquadravam desde os coronéis aos cangaceiros. Neste sentido, uma entrevista com um ex-cangaceiro, agora militar do Exército Brasileiro, mesmo que falsa, servia de maneira extremamente positiva ao novo regime.
Mas se Otaviano Pereira de Carvalho fosse realmente quem ele afirmava ser na entrevista? Aí só mais outras pesquisas para corroborar, ou não, a reportagem de capa do jornal pernambucano “A Notícia”, do dia 8 de março de 1931.
Evidentemente que aqueles que desejam trabalhar com a pesquisa histórica, seja em relação ao cangaço ou outros assuntos, venha a informação pesquisada oriunda de fontes orais ou documentais, conseguidas através de um diálogo com um informante, ou em uma hemeroteca de algum arquivo, não é nenhuma novidade comentar que o material analisado deve ser sempre visto com ressalvas e exaustivamente analisado.
Entretanto visitar arquivos, em um futuro não muito distante, deverá ser a principal forma de se pesquisar sobre o cangaço, pois enfim, o tempo não para, pois as testemunhas do cangaço estão seguindo seu caminho natural.
(*) Espeleólogo potiguar. Sócio da SBEC.
Um comentário:
Ótima postagem,enriquece nosso conhecimento,parabéns.
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