SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Padre Cícero No Cinema

Firmino Holanda (*)
O italiano Vitorio Di Maio, da empresa Di Maio & Vieira, instalou o primeiro cinema na Região Sul do Ceará. Isto ocorreu a 03 de junho de 1911, no Crato. A sala denominava-se de “Cinema Paraíso”, como nos informa o historiador Irineu Pinheiro. Na época, Juazeiro do Norte estava para conquistar sua autonomia em relação àquele município. Faltavam poucas semanas para isto se efetuar, mais precisamente no dia 22 de julho de 1911.
Em outubro do mesmo ano, Padre Cícero elegia-se Prefeito do novo município. O mito religioso lançava-se no terreno da Política. Para a preservação de sua imagem, mostrou-se sensível à novidade que era então o registro cinematográfico. Em carta de 13 de outubro de 1921, ele passava ao “amigo sr. Lauro Vidal” os direitos de uso de sua figura em filmes que viessem a ser realizados. Da parte do Padrinho, nota-se a confiança depositada naquela pessoa, a qual não são impostas condições. Diz o documento:
“Consoante os seus desejos, pela presente dou a V. S. a exclusividade absoluta para a exibição e representação cinematográfica, em qualquer parte do País e fora dele, de filme que me diga respeito, seja em relação à minha presença no mesmo, seja no que diz respeito a aspectos deste Município ou fora dele, nos quais figure a minha pessoa. Assim autorizado poderá V.S. fazer a exibição de qualquer película autêntica, que tenha obtido, ou que possa obter conforme melhormente consulte as suas conveniências e as aspirações gerais do povo, a exemplo do que já é de sua propriedade”.
Desconhecemos os desdobramentos deste autêntico contrato. Sabe-se que, no ano seguinte, entre outubro e novembro, o Marechal Cândido Rondon percorreu o Nordeste, a serviço do Presidente Epitácio Pessoa. Na sua Comissão estava o inseparável cinegrafista Major Luiz Thomaz Reis. Este realizou então o documentário “Inspeção no Nordeste” (ou “Inspeção das Obras Contra as Secas”). Segundo Nelie Sá Pereira, que pesquisou a filmografia do Major Reis, o documentário está perdido. Conhecemos uma foto em que Rondon posa ao lado do Padre Cícero, que provavelmente, em sua Juazeiro, foi registrado para a referida película.
Segundo Irineu Pinheiro, no dia 11 de janeiro de 1925 inaugurou-se a estátua do Padre na então Praça da Liberdade, que hoje, naquele município, traz o nome do homenageado. O evento foi registrado em cinema. Suas imagens, preservadas, tantas vezes foram vistas em modernos documentários sobre o líder político-religioso (“Padre Cícero” de Geraldo Sarno; “Padre Cícero, o Padrinho do Nordeste”, de Marcos Matraga etc). Segundo o historiador cratense, compareceram à solenidade componentes da Escola de Apendrizes Marinheiros de Fortaleza, vistos na cenas, sob o comando do Capitão-tenente Pedro Bittencourt. Banda Militar, a aglomeração popular, autoridades (Floro Bartholomeu, por exemplo), o Padre desfilando em carro aberto etc, são elementos identificados nos fotogramas desta importante película.
No mesmo ano foi lançado um filme de 35mm denominado de “O Nordeste Brasileiro”, encomendado pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. A professora Eliana de Oliveira Queiroz, em sua tese “A Scena Muda Como Fonte Para a História do Cinema Brasileiro (1921-1933)” descreve cenas do referido documentário. Nele são registradas “as vaquejadas, a pesca da baleia, a pesca em jangada, a figura do Padre Cícero”.
Em depoimento que nos foi concedido, Antônio Albuquerque nos diz que a Empresa ABA-Film, de Fortaleza, iniciou em 1926 a produção de filmes documentários. Afirma que seu pai, Ademar Albuquerque, que fez tantos filmes para o IFOCS, também registrou imagens do Padre Cícero.
Segundo a revista carioca “Cinearte”(15/11/1926), foi exibido na Sala Parisiense do Rio de Janeiro, em setembro, o documentário “O Juazeiro do Padre Cícero”. À informação passada por F.Silva Nobre, acrescente-se que a película percorreu cidades nordestinas, antes de chegar à Capital Federal. Ainda, segundo o pesquisador, o trabalho “apresentava paisagens de Missão Velha, Lavras, Quixadá e outras cidades cearenses como cenário das andanças da “Coluna Lampião” e suas qualidades técnico-artísticas deixavam bastante a desejar”. Pela descrição, trata-se provavelmente do mesmo filme do qual conhecemos somente o folheto de divulgação, sob título: “Joaseiro do Padre Cícero e Aspectos do Ceará”. Neste mesmo folheto há referências a aspectos da “Escola de Juazeiro” e ao beato José Lourenço. Sobre este líder religioso (famoso pelo episódio no Sítio Caldeirão) lemos o seguinte: no filme ele seria visto “à frente de tres mil romeiros carregando materiais para a reconstrução da Matriz”. Abaixo do horário do programa (anunciado para hoje às 7 1/2 da noite) está uma foto do Padre Cicero.
O sírio-libanês Benjamin Abraão, secretário do Padre Cícero, também captou imagens do Patriarca de Juazeiro. Quando exercitava-se com a câmera cedida pela ABA-Film para filmar o bando de Lampião, fez essas tomadas. O pesquisador baiano José Umberto Dias conta que a cena mostrava o taumaturgo “escrevendo cartas para políticos”, acrescentando que o resultado fotográfico não teria sido bom, por falta de boa ilumunação. Cenas de Juazeiro também foram feitas por Abraão. Este, diz o pesquisador, teria se animado com a cinematografia ao conhecer dois profissionais norte-americanos que, impossibilitados de filmar o “Rei do Cangaço”, dirigiram-se para o Juazeiro onde registraram romarias.
Morto a 20 de julho de 1934, Padre Cícero teve seu enterro registrado em filme. O historiador Otacílio Anselmo aponta o autor dessas filmagens. Diz ele, sobre aquele momento: “Postados em janelas, trepados nos telhados ou pendurados em galhos de árvores, dezenas de fotógrafos amadores e profissionais flanqueiam a mole humana. Um deles, porém, chama a atenção geral, tanto pela mobilidade como pelo modo de manejar a máquina, provida de pequena manivela. Tal cinegrafista era o sírio Benjamin Abraão, antigo “leão-de-chácara” do Sacerdote, aproveitando o acontecimento para concluir um filme sobre a vida do famoso “Líder Sertanejo”. Por certo, Benjamin não finalizou esta produção. Mas conhecemos imagens do féretro levado em meio à massa humana. Já foram exibidas, inclusive, num Globo Repórter.
Em 1976, o cearense Hélder Martins, tendo em mãos grandes recursos financeiros, contratou equipe técnica e atores renomados do País para realizar seu primeiro longa: “Padre Cícero”. O roteiro baseava-se em fatos da vida do Patriarca, desde a sua iniciação religiosa até o momento de sua ida a Roma, para tratar de seu destino no seio da Igreja. A intenção do Diretor era dar continuidade à história do Padre num outro filme, onde chegaria a falar do processo de Canonização. Elvira de Morais, produtora executiva do filme, em entrevista concedida, admitiu que “Padre Cícero” foi fracasso comercial, acrescentando que o trabalho não foi bem aceito em Juazeiro.
Na década anterior, o longa “Nordeste Sangrento”, de Wilson Silva, interpretava livremente a História e colocava Padre Cícero numa Juazeiro cercada por tropas de Franco Rabelo e defendida por cangaceiros. Mas, nesta produção paulista, aventura romântica, ele não era a personagem central. Sua figura também seria personagem de “Gitirana “(1975), longa de Jorge Bodansky e Orlando Senna, onde surgia com características históricas ainda mais livres. No épico “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, onde Glauber Rocha revisou de modo extraordinário os mitos nordestinos do cangaço e do messianismo, o Padre não surgia em cena. Mas era citado por Corisco, algumas vezes (“Tou cumprindo minha promessa, Padim Ciço! Não deixo pobre morrer de fome! Aaaaaa! Vingo no vivo e no morto meu cumpadre Lampião!”).Neste levantamento provisório sobre Padre Cícero no Cinema, ainda podemos acrescentar filmes como o documentário “Visão de Juazeiro”(1970), curta-metragem de Eduardo Escorel; “Uma Cidade Contra seus Coronéis”, curta em animação, assinado pelo cearense Eymard Porto e Léa Beatriz Zagoury (onde o Líder religioso entra na questão envolvendo Acioly Rabelo); e “Caldeirão de Santa Cruz do Deserto”(1986), longa de outro cearense, Rosemberg Cariry, que, tratando da Comunidade do Beato José Lourenço, evidentemente faz amplas referências ao Padre Cícero - que agora será tema central de outro documentário seu em produção.

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Fontes de Consulta:
- Efemérides do Cariri (1963), Ed. Imprensa Universitária do Ceará, de Irineu Pinheiro;
- Cartas do Padre Cícero (1877-1934), E.P.Salesianas, 1982, de Antenor de Andrade e Silva;
- Major Thomaz Reis - “O Cinegrafista de Rondon”(1982), Embrafilme, RJ, Nelie Sá Pereira;
- Guia de Filmes Produzidos no Brasil entre 1921 e 1925,(1989), Embrafilme,RJ, pesquisa coordenada por Eliana de O. Queiroz;
- O Ceará e o Cinema (1989), de F. Silva Nobre;
- Benjamin Abraão, O Mascate que filmou Lampião (1984), Cadernos de Pesquisas nº 01, C.P.C.B e Embrafilme, de José Umberto Dias;
- Padre Cícero - Mito e Realidade (1968), Ed. Civ. Brasileira, de Otacílio Anselmo;
- Guia de Filmes 64-66 (julho/dez de 1976), Embrafilme.- As duas entrevistas mencionadas - com Antônio Albuquerque e Elvira Morais - me foram concedidas em 17/12/1988, como parte da pesquisa para meu documentário “Cinema Cearense - Alguma História” (1989).

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(*) Crítico, Pesquisador e Professor de Cinema da UFC.

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