O cangaço-atividade foi banditismo, mas nem todo banditismo foi cangaço-atividade. Banditismo por que em beligerância com a ordem legal de então. Banditismo por que tiveram como vítima principal o próprio povo que fornecia seus quadros. O cangaço-atividade foi banditismo de grupo. O bandido solitário não era cangaceiro – não o denominava assim a tradição nem a história. Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião foram chefes de bando. Aqui o termo “cangaço” é usado no sentido que lhe dá Luis da Câmara Cascudo[1]: “Tomar o cangaço, viver no cangaço, andar no cangaço, debaixo do cangaço são sinônimos de bandoleiro, assaltador profissional, ladrão de mão armada, bandido.” Sentido que somente permite sua intelecção se acompanhado da outra definição que também é lavra do etnólogo e folclorista: “Para o sertanejo é o preparo, carrego, aviamento, parafernália do cangaceiro, inseparável e característica, armas, munições, bornais, bisacos com suprimentos, balas, alimentos secos, meizinhas tradicionais, uma muda de roupa, etc.[2]”
O cangaço-atividade foi banditismo sertanejo de grupo. Não apenas rural, termo amplo que engloba tudo quanto não litorâneo, ao qual se vinculam alguns historiadores[3] por não conhecerem a realidade específica desta região do Nordeste brasileiro. Banditismo nordestino sertanejo de grupo – há bandidos nordestinos de grupo que não são sertanejos, e há bandidos sertanejos de grupo que não são nordestinos - que rechaça, de pronto, todos quantos não situados naquele tempo específico que vai do final do século dezenove a meados do século vinte e todos quantos não situados naquele espaço específico do Sertão nordestino compreendido entre Bahia e Ceará. Tempo específico: os bandidos de hoje não são cangaceiros por que, dentre outras, não andam com cangaço-objeto. Lugar específico: os bandidos de outras regiões não foram cangaceiros por que, dentre outras, não andaram com cangaço-objeto.
Não somente banditismo brasileiro nordestino sertanejo de grupo existente entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usam o cangaço - essa parafernália inseparável e característica, como afirma Luís da Câmara Cascudo. Mesmo aqui ainda é preciso restringir para compreender: como disse Fenelon Almeida[4], “os volantes[5] em tudo se pareciam com os cangaceiros.” Os jagunços também. Ambos usavam o cangaço-objeto. Todo cangaceiro usava cangaço-objeto, mas nem todo aquele que usava cangaço-objeto era cangaceiro. As volantes usavam o cangaço-objeto, eram nômades e atuavam com o aval do Estado, os jagunços usavam o cangaço-objeto, não eram nômades e submetiam-se aos coronéis. Mas tanto as volantes quanto os jagunços não possuíam coiteiros. O cangaço-atividade pressupõe a perseguição pelo Governo, a insubmissão, o nomadismo e o suporte dos coiteiros[6].
Entretanto todos os bandidos brasileiros nordestinos sertanejos de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX perseguidos pelos Governos, insubmissos, nômades, com suporte dado por coiteiros que usavam o cangaço eram cangaceiros? Não. Tomando-se como paradigma os bandos de Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, não. Estes no dizer de Maria Isaura Pereira de Queiroz[7] são “grupos de homens armados liderados por um chefe, que se mantinham errantes, isto é, sem domicílio fixo, vivendo de assaltos e saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou chefe de grande parentela.” Ou seja: os cangaceiros viviam de assaltos e saques. Assaltos, para sintetizar, por que quem saqueia assalta. Não somente assaltos, porém. Extorsão também. E, às vezes, embora não comumente, alugando suas armas a algum Coronel. Concluindo, por fim: Sobreviviam à custa do seu banditismo.
Portanto temos: Cangaceiros foram bandidos brasileiros nordestinos sertanejos de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usavam o cangaço-objeto, eram perseguidos pelos governos, insubmissos, nômades, com suporte dado por coiteiros, e que viviam à custa de sua atividade criminosa.
Não por outra razão Jesuíno Brilhante jamais foi cangaceiro.
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[1] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN – Editora da UFRN; 3ª. Edição; Coleção Nordestina; Natal, Rn, 1999; p. 197.
[2] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN – Editora da UFRN; 3ª. Edição; Coleção Nordestina; Natal, Rn, 1999; p. 197.
[3] Eric Hobsbawn
[4] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”; ALMEIDA, Fenelon; p. 78.
[5] JORGE LUÍS MATTAR VILLELA (“O JOVEM JOSÉ RAMOS E A FORÇA VOLANTE”): “Quem vê a força de um volante em seu equipamento, em seu cangaço, os traços da vida nômade que tinha de levar já que ‘A gente tava aqui, recebia notícia dele [Lampião]. Aí a gente ia. Naquele tempo era caatinga, não tinha estrada. Catava o rastro e ia. Quando achava o rastro seguia. Quando não ficava bestando até ter notícias. Às vezes ficávamos dois meses no mato’.”
[6] Sem a guarida que o coiteiro propiciava para o descanso e a cura dos ferimentos como teria sobrevivido o cangaceiro? Todo cangaceiro tinha um coiteiro, mas nem todo cangaceiro tinha parceria com coronéis.
[7] “HISTÓRIA DO CANGAÇO”; QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de; Global Editora; 3ª. Edição; São Paulo, São Paulo; p. 15.
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(*) Escritor, Professor e Advogado no Rio Grande do Norte. Associado da SBEC.
O cangaço-atividade foi banditismo sertanejo de grupo. Não apenas rural, termo amplo que engloba tudo quanto não litorâneo, ao qual se vinculam alguns historiadores[3] por não conhecerem a realidade específica desta região do Nordeste brasileiro. Banditismo nordestino sertanejo de grupo – há bandidos nordestinos de grupo que não são sertanejos, e há bandidos sertanejos de grupo que não são nordestinos - que rechaça, de pronto, todos quantos não situados naquele tempo específico que vai do final do século dezenove a meados do século vinte e todos quantos não situados naquele espaço específico do Sertão nordestino compreendido entre Bahia e Ceará. Tempo específico: os bandidos de hoje não são cangaceiros por que, dentre outras, não andam com cangaço-objeto. Lugar específico: os bandidos de outras regiões não foram cangaceiros por que, dentre outras, não andaram com cangaço-objeto.
Não somente banditismo brasileiro nordestino sertanejo de grupo existente entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usam o cangaço - essa parafernália inseparável e característica, como afirma Luís da Câmara Cascudo. Mesmo aqui ainda é preciso restringir para compreender: como disse Fenelon Almeida[4], “os volantes[5] em tudo se pareciam com os cangaceiros.” Os jagunços também. Ambos usavam o cangaço-objeto. Todo cangaceiro usava cangaço-objeto, mas nem todo aquele que usava cangaço-objeto era cangaceiro. As volantes usavam o cangaço-objeto, eram nômades e atuavam com o aval do Estado, os jagunços usavam o cangaço-objeto, não eram nômades e submetiam-se aos coronéis. Mas tanto as volantes quanto os jagunços não possuíam coiteiros. O cangaço-atividade pressupõe a perseguição pelo Governo, a insubmissão, o nomadismo e o suporte dos coiteiros[6].
Entretanto todos os bandidos brasileiros nordestinos sertanejos de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX perseguidos pelos Governos, insubmissos, nômades, com suporte dado por coiteiros que usavam o cangaço eram cangaceiros? Não. Tomando-se como paradigma os bandos de Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, não. Estes no dizer de Maria Isaura Pereira de Queiroz[7] são “grupos de homens armados liderados por um chefe, que se mantinham errantes, isto é, sem domicílio fixo, vivendo de assaltos e saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou chefe de grande parentela.” Ou seja: os cangaceiros viviam de assaltos e saques. Assaltos, para sintetizar, por que quem saqueia assalta. Não somente assaltos, porém. Extorsão também. E, às vezes, embora não comumente, alugando suas armas a algum Coronel. Concluindo, por fim: Sobreviviam à custa do seu banditismo.
Portanto temos: Cangaceiros foram bandidos brasileiros nordestinos sertanejos de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usavam o cangaço-objeto, eram perseguidos pelos governos, insubmissos, nômades, com suporte dado por coiteiros, e que viviam à custa de sua atividade criminosa.
Não por outra razão Jesuíno Brilhante jamais foi cangaceiro.
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[1] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN – Editora da UFRN; 3ª. Edição; Coleção Nordestina; Natal, Rn, 1999; p. 197.
[2] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN – Editora da UFRN; 3ª. Edição; Coleção Nordestina; Natal, Rn, 1999; p. 197.
[3] Eric Hobsbawn
[4] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”; ALMEIDA, Fenelon; p. 78.
[5] JORGE LUÍS MATTAR VILLELA (“O JOVEM JOSÉ RAMOS E A FORÇA VOLANTE”): “Quem vê a força de um volante em seu equipamento, em seu cangaço, os traços da vida nômade que tinha de levar já que ‘A gente tava aqui, recebia notícia dele [Lampião]. Aí a gente ia. Naquele tempo era caatinga, não tinha estrada. Catava o rastro e ia. Quando achava o rastro seguia. Quando não ficava bestando até ter notícias. Às vezes ficávamos dois meses no mato’.”
[6] Sem a guarida que o coiteiro propiciava para o descanso e a cura dos ferimentos como teria sobrevivido o cangaceiro? Todo cangaceiro tinha um coiteiro, mas nem todo cangaceiro tinha parceria com coronéis.
[7] “HISTÓRIA DO CANGAÇO”; QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de; Global Editora; 3ª. Edição; São Paulo, São Paulo; p. 15.
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(*) Escritor, Professor e Advogado no Rio Grande do Norte. Associado da SBEC.
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