
O cangaço-atividade foi banditismo sertanejo de grupo. Não apenas rural, termo amplo que engloba tudo quanto não litorâneo, ao qual se vinculam alguns historiadores[3] por não conhecerem a realidade específica desta região do Nordeste brasileiro. Banditismo nordestino sertanejo de grupo – há bandidos nordestinos de grupo que não são sertanejos, e há bandidos sertanejos de grupo que não são nordestinos - que rechaça, de pronto, todos quantos não situados naquele tempo específico que vai do final do século dezenove a meados do século vinte e todos quantos não situados naquele espaço específico do Sertão nordestino compreendido entre Bahia e Ceará. Tempo específico: os bandidos de hoje não são cangaceiros por que, dentre outras, não andam com cangaço-objeto. Lugar específico: os bandidos de outras regiões não foram cangaceiros por que, dentre outras, não andaram com cangaço-objeto.
Não somente banditismo brasileiro nordestino sertanejo de grupo existente entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usam o cangaço - essa parafernália inseparável e característica, como afirma Luís da Câmara Cascudo. Mesmo aqui ainda é preciso restringir para compreender: como disse Fenelon Almeida[4], “os volantes[5] em tudo se pareciam com os cangaceiros.” Os jagunços também. Ambos usavam o cangaço-objeto. Todo cangaceiro usava cangaço-objeto, mas nem todo aquele que usava cangaço-objeto era cangaceiro. As volantes usavam o cangaço-objeto, eram nômades e atuavam com o aval do Estado, os jagunços usavam o cangaço-objeto, não eram nômades e submetiam-se aos coronéis. Mas tanto as volantes quanto os jagunços não possuíam coiteiros. O cangaço-atividade pressupõe a perseguição pelo Governo, a insubmissão, o nomadismo e o suporte dos coiteiros[6].
Entretanto todos os bandidos brasileiros nordestinos sertanejos de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX perseguidos pelos Governos, insubmissos, nômades, com suporte dado por coiteiros que usavam o cangaço eram cangaceiros? Não. Tomando-se como paradigma os bandos de Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, não. Estes no dizer de Maria Isaura Pereira de Queiroz[7] são “grupos de homens armados liderados por um chefe, que se mantinham errantes, isto é, sem domicílio fixo, vivendo de assaltos e saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou chefe de grande parentela.” Ou seja: os cangaceiros viviam de assaltos e saques. Assaltos, para sintetizar, por que quem saqueia assalta. Não somente assaltos, porém. Extorsão também. E, às vezes, embora não comumente, alugando suas armas a algum Coronel. Concluindo, por fim: Sobreviviam à custa do seu banditismo.
Portanto temos: Cangaceiros foram bandidos brasileiros nordestinos sertanejos de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usavam o cangaço-objeto, eram perseguidos pelos governos, insubmissos, nômades, com suporte dado por coiteiros, e que viviam à custa de sua atividade criminosa.
Não por outra razão Jesuíno Brilhante jamais foi cangaceiro.
-----------------------------
[1] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN – Editora da UFRN; 3ª. Edição; Coleção Nordestina; Natal, Rn, 1999; p. 197.
[2] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN – Editora da UFRN; 3ª. Edição; Coleção Nordestina; Natal, Rn, 1999; p. 197.
[3] Eric Hobsbawn
[4] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”; ALMEIDA, Fenelon; p. 78.
[5] JORGE LUÍS MATTAR VILLELA (“O JOVEM JOSÉ RAMOS E A FORÇA VOLANTE”): “Quem vê a força de um volante em seu equipamento, em seu cangaço, os traços da vida nômade que tinha de levar já que ‘A gente tava aqui, recebia notícia dele [Lampião]. Aí a gente ia. Naquele tempo era caatinga, não tinha estrada. Catava o rastro e ia. Quando achava o rastro seguia. Quando não ficava bestando até ter notícias. Às vezes ficávamos dois meses no mato’.”
[6] Sem a guarida que o coiteiro propiciava para o descanso e a cura dos ferimentos como teria sobrevivido o cangaceiro? Todo cangaceiro tinha um coiteiro, mas nem todo cangaceiro tinha parceria com coronéis.
[7] “HISTÓRIA DO CANGAÇO”; QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de; Global Editora; 3ª. Edição; São Paulo, São Paulo; p. 15.
------------------------
(*) Escritor, Professor e Advogado no Rio Grande do Norte. Associado da SBEC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário