SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Museu do Homem do Nordeste

Sem açúcar não se compreende o homem do Nordeste, assegura Gilberto Freyre em seu livro "Açúcar". Uma visita a este museu pode ajudar a entender melhor essa tese. Apetrechos do ciclo da cana podem ser vistos no local, que também abriga o Museu de Antropologia.
O Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, foi reaberto no último dia 17 de dezembro, trazendo ao público a primeira etapa de sua nova exposição de longa duração, intitulada Nordeste: territórios plurais, culturais e direitos coletivos. Aliado à sua nova exposição, o Museu recebeu importantes melhorias em sua infra-estrutura, como troca do piso, reforma do telhado, novo projeto luminotécnico, sonorização e audiovisual no circuito expositivo, além da construção da loja/café. O projeto museográfico é da arquiteta Janete Costa.
Horários de funcionamento:
terças, quartas e sextas feiras, das 11h às 17h; quintas-feiras, das 8h às 17h; sábados e domingos, das 13h às 17h
Avenida Dezessete de Agosto, 2187 - Casa Forte - Recife (PE)
(81) 3441.5500

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Entrevista: Antonio Vilela

JORNAL DE FATO
Mossoró (RN)
REVISTA DOMINGO, 18 DE JANEIRO DE 2009.
Luitgarde Barros e Antonio Vilela (clique na foto para ampliar)
O professor de História e escritor pernambucano Antônio Vilela, há mais de 30 anos, estuda o cangaço e especialmente a trajetória de Lampião. Passando por Mossoró, ele fala sobre o sucesso do seu livro “O Íncrível Mundo do Cangaço” e dos preparativos para o segundo livro em elaboração abordando a mesma temática, mas com as entrevistas a cangaceiros que ainda estão vivos. Confira mais:

REVISTA DOMINGO – Como surgiu o seu interesse pelo Cangaço?
ANTÔNIO VILELA – Quando era menino eu ouvia muito as histórias de cangaço, por uma senhora que me contava muito sobre Lampião. Em 1976, eu fui estudar no ENA, um colégio adventista, e conheci uma garota de Mossoró com a qual me casei e quando pela primeira vez eu vim a Mossoró, em 1974, e visitei a antiga cadeia que já era o Museu Municipal Lauro da Escóssia, fiquei sabendo que foi ali que Jararaca havia sido preso, morrendo aqui em Mossoró. Então, a partir daí, comecei a estudar cangaço e visitar o cemitério São Sebastião. Meus estudos começaram propriamente aqui em Mossoró.

ENTÃO a sua paixão começou por aqui?
SIM. Depois ganhei o mundo estudando o cangaço. Muitas pessoas confundem e pensam que estudar o cangaço é somente Lampião e não é. Hoje estou fazendo um trabalho focalizando o cangaço no agreste pernambucano, tirando um pouco o foco de Lampião e trabalhando com outros cangaceiros que atuaram na região. Sou amigo de seis cangaceiros vivos e de sete policiais que perseguiam os cangaceiros e é muito interessante ouvir os relatos destes dois lados.

O SENHOR já visitou muitos estados e cidades por onde o cangaço passou aqui no Nordeste ouvindo estes depoimentos. O que mais lhe surpreendeu nestas visitas e nestes relatos?
O QUE mais me surpreende ainda hoje ao ouvir os cangaceiros vivos é perceber o amor e a lealdade que eles têm por Lampião. Por exemplo, eu visitei uma senhora chamada Antônia Firmina, atualmente com 106 anos, e há pouco tempo, há três anos, ela revelou o segredo que lavava a roupa de Lampião e ao revelar este segredo, só agora ela achou que havia traído Lampião. Dos cangaceiros vivos, eu tenho um vínculo de amizade com o cangaceiro “Vinte e Cinco”, o José Alves de Matos, que mora em Maceió e ele sempre destaca essa lealdade. Inclusive eu filmei um documentário com o “Vinte e Cinco” e ele me fez prometer que só iria divulgar esse material após a sua morte. Então, o que me surpreende é a lealdade, a amizade que havia entre eles. Peço a Deus muitos anos de vida a ele porque eles são fontes de informações e só vou editar quando eles partirem.

MUITO já se discutiu se Lampião foi herói ou bandido e há uma divisão entre os que estudam a vida dele. Diante dos seus estudos, qual é a sua opinião?
PARA mim, Lampião é um mito e não me interessa se ele era bandido ou herói. Naquela época, o que Lampião fazia, a polícia fazia pior que ele. Então, eu estudo Lampião como um mito, como uma conseqüência do meio, um homem que teve coragem de enfrentar os coronéis e, para se ter uma idéia, colocou governadores na palma da mão. Por exemplo, o então governador de Pernambuco, Sérgio Loreto, fez uma proposta de dividir Pernambuco em que ele governava da quebrada do Recife, Rio Branco, Arco Verde e o Lampião seria o governador do sertão do Rio Branco até o São Francisco. Por aí veja a influência desse homem. Para mim, Lampião é um mito e a história julgue se ele era um mito ou um herói.

ALGUMAS publicações ressaltam o Lampião como um grande estrategista. Você confirmou isso nos depoimentos que colheu?
LAMPIÃO era um grande estrategista! Um dos maiores estrategistas da América. Veja que ele passou aproximadamente vinte anos sendo perseguido pela polícia de sete estados e conseguia sobreviver, é porque ele tinha algo de especial. Segundo o grande perseguidor de Lampião, o Optato Gueiros, que é pernambucano de Garanhuns, “Lampião era um gênio até na arte de torturar”.

O SENHOR já lançou um livro – O Incrível Mundo do Cangaço – fruto de anos de pesquisa e agora está preparando o segundo livro. Nos fale um pouco sobre este trabalho.
EU escrevi o Incrível Mundo do Cangaço em 2007. Hoje tenho só duas cópias e vendi mais de 4 mil exemplares. É um trabalho que focaliza esse mundo do cangaço, a vida de Lampião e principalmente as incríveis curiosidades do cangaço. Esse novo trabalho que estou preparando pretende focalizar o cangaço no agreste com pessoas diferentes como os cangaceiros “Paizinho Baio”, o “Vicentão” o Vincente Gomes, que foi um dos responsáveis por uma tragédia em 1927 em Garanhuns chamado de “Hecatombe de Garanhuns”. Tem ainda a figura do Capitão Américo, que foi outra personagem, da cidade do Brejão, e que matou centenas de pessoas e sem deixar de falar nos grandes protetores de Lampião. Muitas pessoas não conhecem o trabalho do Coronel Zezé Abílio de Bom Conselho do Papacaça, nem Gerson Maranhão, Audálio Tenório e o próprio José Lucena, que é quem coloca praticamente Lampião no Cangaço, porque ele foi responsável em 1920 pela morte de José Ferreira e na década de trinta Lampião fez amizade com ele para não perseguir o Zezé Abílio, Audálio Tenório e o Gerson Maranhão. Então, esse segundo trabalho, que será intitulado “O Incrível Mundo do Cangaço - volume dois”, é um trabalho com algo especial. Tenho entrevista com vários cangaceiros vivos e com alguns já falecidos – Durvinha, que morreu ano passado, com Moreno, com Dulce, que ainda é viva em São Paulo, com Vinte Cinco, Aristéia, uma cangaceira de Paulo Afonso. Material inédito focalizando estas pessoas, perseguidores de Lampião e desconhecidos do mundo cangaço como o Tenente Caçula e o Tenente Zé Jardim, que dedicaram suas vidas a perseguir Lampião. São homens de uma grande referência para o cangaço, mas que poucos historiadores os conhecem.

ALÉM de pesquisar, como faz para se encontrar com estes personagens e colher estes depoimentos?
GERALMENTE nas férias eu faço isso e sempre aos finais de semana. Isso também porque eu moro próximo ao reduto de Lampião, a uns duzentos e poucos quilômetros. Então eu passo o final de semana à procura de cangaceiros.

QUAL a previsão de lançamento deste livro?
PLANEJO lançar este livro em 2010 por ser um trabalho minucioso, que exige tempo, cuidados. Para esse livro, eu tenho 28 fitas gravadas com esses depoimentos. Tenho que escutar e fechar uma pesquisa interessante com o Benjamim Abraão, que foi a pessoal que fez grande parte das fotos de Lampião.

TEM algum detalhe da morte dos cangaceiros na Grota do Angico que seja novidade?
TEM uma novidade. Outro ineditismo que vou tratar no livro é a história do soldado Adrião. Se você conversar com qualquer pesquisador do cangaço, vão dizer que no dia 28 de julho de 1938 morreram 11 cangaceiros na Grota do Angico. Mas não é só isso. Morreram 11 cangaceiros (Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros) e o soldado Adrião Pedro de Souza, que morreu cumprindo o dever e não é citado por nenhum historiador. O próprio João Bezerra, lá no Angico, mandou erguer onze cruzes e esqueceu o soldado Adrião. Nós estamos trazendo esse fato e estamos fechando a minha pesquisa sobre ele porque o soldado estava cumprindo o seu dever. Fiz uma pergunta ao sargento Antônio Vieira, que estava lá no momento do Angico, e ele fala da suspeita de Adrião ter sido morto por “fogo amigo”. Antes de abordar os cangaceiros, o tenente João Bezerra tinha tido uma discussão com o soldado Adrião. E talvez os próprios amigos mataram o Adrião e poucos têm conhecimento desse fato.

O SENHOR acha que a nova geração tem se preocupado em conhecer essa parte da história do Nordeste?
TEMOS de agradecer ao trabalho muito bem feito da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), pois os estudiosos e pesquisadores do cangaço levantaram a figura de Lampião e hoje existe um interesse muito grande, não só em Lampião, mas pelo cangaço como um todo, bem como a nossa cultura, a cultura nordestina. É preciso agradecer ao pessoal da SBEC, aos escritores brasileiros como o Antônio Amaury, Luitgarde Barros, Frederico Pernambucano, Alcino Costa, Souza Lima, Paulo Gastão, Kydelmir Dantas, Elise Jasmin, Aderbal Nogueira, Ângelo Osmiro, enfim, tantos outros que estão sempre trazendo estudos e nós não vamos de maneira alguma deixar morrer elementos da nossa cultura.

Antônio Vilela de Souza é sócio da SBEC.

O Baú de Dona Baló

João de Sousa Lima (*)
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O povoado Salgadinho, em Paulo Afonso, Bahia, situado nas margens da exuberante Serra do Padre, rendeu-se aos encantos sublimes da mais deslumbrante flor germinada em seus campos: a belíssima Lídia Pereira de Souza. Uma formosa morena de traços perfeitos e sedutores e curvas delineadamente sensuais.
Lídia Pereira de Souza viria um dia a se tornar a bela cangaceira Lídia de Zé Baiano. Lídia era filha do modesto casal Luís Pereira de Souza e Maria Rosa Figueiredo, conhecida pela alcunha de Dona Baló, uma exímia rendeira e costureira.
O Salgadinho por ser um dos lugares bastante percorridos pelo Rei do Cangaço e seus seguidores, na época em que a andança do capitão Virgolino atingiu seu apogeu em terras baianas, me foi bastante informativo enquanto eu realizava pesquisas para o livro “Lampião em Paulo Afonso”. Por dezenas de vezes estive naquela localidade, registrando as histórias contadas pelos velhos remanescentes da luta cangaceira e fotografando os lugares que serviram de esconderijos aos cangaceiros. Neste período, uma das coisas que mais despertou minha atenção foi conhecer a casa onde nasceu a bela cangaceira Lídia, de Zé Baiano. Contra todas as possibilidades e intempéries geradas pelo tempo, a casa teimava em continuar erguida, mesmo estando assombrosamente carcomida pelos cupins, resistia imponente e enigmática.
Muitos estudiosos do tema cangaço estiveram comigo visitando a velha moradia da mais linda das cangaceiras. Em uma das minhas últimas visitas estive lá sozinho, sem pressa e pude apreciar cada canto, cada forma e cada fresta do velho casebre. Em um dos quartos, por uma das rachaduras da parede, divisei, entre centenas de casas de marimbondos, um antigo baú e dividindo o frestal com os morcegos, estava uma velha lamparina. Como é que tinha passado despercebido, aos meus olhos garimpeiros, por tantas vezes, estes velhos objetos? Enquanto no meu silêncio apreciava aquelas relíquias, senti a presença de alguém que se aproximava e despertei com a voz de uma senhora que me trazia a realidade: era dona Nilda, sobrinha da cangaceira Lídia. Nilda é a guardiã da velha casa. Conversamos por alguns minutos e com o consentimento de dona Nilda, acertamos de resgatar todo o material existente naquele cubículo, onde me caberia algumas peças, tarefa não tão fácil, pela dificuldade de transpor a barreira de centenas de vespas com seus ardentes e venenosos ferrões.
Voltei para Paulo Afonso e me preparei adquirindo equipamentos de proteção para usar, que pudessem me proteger no resgate do tesouro deixado por dona Baló. No dia 15 de maio de 2005, uma fria manhã de domingo, de nuvens negras e ameaçadoras, embarquei com o estimado amigo Ivan Caetano, um aposentado mecânico de aeronaves e que durante muito tempo dedicou sua especialíssima mão-de-obra ao setor de aviação da CHESF. Seguimos viagem, eu, Ivan e sua esposa Leonídia, na boleia da antiga e inseparável "TRUBANA", uma F-1000, vermelha, que Ivan possui há muito tempo.
No percurso, de aproximadamente 12 quilômetros, sendo a maior parte em estrada de chão, pudemos observar os estragos feitos pela chuva que há dias castigava aquele pedaço de chão. Aos solavancos e pelas mãos firmes do velho amigo, atravessamos uma estrada molhada e escorregadia até chegarmos no povoado Salgadinho. Descemos entre poças de lamas e riachos de águas correntes, bem na frente da casa da cangaceira Lídia e lateral às casas de dona Nilda e Sinhozinho, único irmão vivo da cangaceira Lídia. O verdadeiro nome de Sinhozinho é José Luís Pereira.
Por alguns minutos conversamos com dona Nilda e depois seguimos na direção da casa de Sinhozinho, onde pudemos saborear uma docíssima melancia, sob a fresca aragem de um frondoso umbuzeiro. Depois da melancia, nos preparamos para a árdua tarefa de resgatar o baú de dona Baló. Coloquei macacão, botas, luvas e um chapéu com uma rede de nylon.
Seguimos, eu e o Ivan até a parte traseira da casa, local que dava um melhor acesso para entrarmos no quarto, onde se encontrava o baú e a lamparina. Enquanto Ivan se encarregava de ir enchendo dois vasilhames com querosene, eu saía alvejando o mortífero líquido nas casas das ariscas vespas, que aos montes atacavam tentando ferroar-me, sem sucesso.
Enquanto centenas de maribondos voavam desnorteados, eu vasculhava os recantos semi-escuros daquele pavimento. Na verdade, lá dentro, existiam três baús. Um deles, o mais bonito de todos, mesmo sendo recoberto por couro, desintegrou-se quando eu o toquei, tentando arrastá-lo para fora e, de dentro do baú, saíram centenas de abelhas pretas que em vão tentavam picar-me, buscando protegerem uma já esfarelada colméia. Peguei o baú que se encontrava em perfeito estado e dentro encontrei algumas velhas e carcomidas peças de roupa, carretéis de linhas, velhas notas de dinheiro, valendo um, dois, dez, vinte e cinquenta cruzeiros. Deixei o perfeito baú aos cuidados do amigo Ivan e retornei para vasculhar a velha armação de um desintegrado caixote.
No meio das tábuas mofadas e da areia úmida e batida, encontrei coisas mais interessantes, tais como:
duas grandes moedas do tempo do Império, datadas de 1831 e que trazem estampadas o numeral 40, dois tinteiros de nanquim, dois punhais, sendo um de 35 centímetros e um menor e mais belo, medindo 23 centímetros trazendo na folha de aço o nome, FAVORITA KOCK e C° KOLM, ST e C, uma mecha de cabelos presa por uma trabalhada peça de ouro, um chicote de couro, um canivete, dois vidros antigos de perfume, duas esporas, uma casca de bala com as iniciais FEAG e datada de 1921, vários botões de tamanhos variados, um dedal, 04 chaves de portas, várias fivelas, um pequeno recipiente de alumínio feito para guardar agulhas, vários carretéis de madeira (escrito em alguns: LINHA BISPO, GLACÊ E ÔLHO), uma almotolia para lubrificar máquina, dois fusos, um vazador de fabricação artesanal, uma moeda de 100 réis, datada de 1928.
Das paredes de taipa resgatei a velha lamparina e algumas imagens de santos (estas acabaram ficando com Sinhozinho). Esse era o tesouro de dona Baló, mãe da cangaceira Lídia. Dentro de três velhos baús, peças da época do cangaço se misturavam com outras coisas mais recentes e acabaram despertando o meu lado garimpeiro das coisas do passado.
Nos despedimos dos amigos já com o horário do almoço ultrapassado e sem que antes saboreássemos uma outra melancia, oferecida desta vez, pelas mãos de dona Nilda.
Saímos do povoado Salgadinho observando no horizonte negras nuvens que caminhavam cercando o antigo povoado. Retomamos o caminho de volta, dando uma parada no povoado Açude, mais precisamente no bar do Bilinho, onde degustamos uma deliciosa galinha de capoeira e o tradicional bode assado.
Aquele dia, por ser um dia daqueles que dificilmente conseguimos esquecer, havia me proporcionado uma grande felicidade.O verdadeiro tesouro que encontrei naquela nublada manhã de domingo, estava no doce sabor da melancia, na fresca aragem do frondoso umbuzeiro, nas pisadas nos riachos de águas turvas e correntes, nos esporádicos pingos de chuva que nos encharcavam e na alegria do sorriso do meu querido casal de amigos.

(*) Escritor e Historiador, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Paulo Afonso. Sócio da SBEC.

A Cadeia Velha de Pombal

Verneck Abrantes (*)
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A cidade de Pombal localiza-se no alto sertão da Paraíba, foi o primeiro núcleo populacional do interior sertanejo. Foi ela quem deu origem a outros núcleos habitacionais da região. Na velha cidade, entre outros marcos históricos, destaca-se a Velha Cadeia, que mantêm ainda suas linhas arquitetônicas, denunciando em nosso tempo, a introdução de um marco da era imperial no alto sertão paraibano. Desativada como presídio, a Velha Cadeia deveria ser o Museu do Cangaceiro, o que bem caracterizaria sua história, mas o projeto não foi adiante. Alicerçada no ano de 1848, famosa porque concentrava presos perigosos do Estado e cangaceiros da década de 20 e 30 do século passado, a Velha Cadeia não abriga mais presos, mas uma instituição denominada de Casa da Cultura, necessitando de mais zelo e maior identificação com sua história. Em suas celas de parede largas e piso de tijolos rústicos passaram muitos criminosos que marcaram época, a exemplo: Donária dos Anjos, que durante a seca de 1877, segundo a própria, “para não morrer de fome”, matou uma criança e comeu sua carne. O bandido “Rio Preto”, que se dizia, tinha um pacto com o diabo: “era curado de bala e faca, no seu corpo os punhais entortariam as pontas e as balas passariam de raspão”. Ferido à bala por vingança, “Rio Preto” morreu dentro da velha cadeia. Outro preso famoso foi Chico Pereira, que após a morte de seu pai se fez um dos grandes chefes do cangaço no sertão da Paraíba. Os fanáticos Pretos da “Irmandade dos Espíritos da Luz”, chefiados por Gabriel Cândido de Carvalho, depois da prática de crimes, também tiveram sua participação na história da velha cadeia.
Mas entre muitos acontecimentos, um se destaca pela audácia: Jesuíno Brilhante, cangaceiro inteligente, com certa instrução educacional, foi protagonista da história, que se deu da seguinte forma: Lucas, irmão de Jesuíno, cometeu um crime em Catolé do Rocha, foi preso e remetido, havia tempo, para cadeia de Pombal, onde estavam mais de 50 presos da cidade e de outras vizinhanças. Como o julgamento estava demorando, Jesuíno tomou a decisão de libertar o irmão. Às duas horas da manhã de 19 de fevereiro de 1874, numa quinta feira, chovendo bastante, não havendo ronda noturna, Jesuíno Brilhante, seu irmão João Alves Filho, o cunhado Joaquim Monteiro e outros, perfazendo um total de oito cangaceiros, todos montados a cavalos, atacaram de surpresa a Velha Cadeia, que na época era guarnecida por um cabo, onze soldados da Guarda Nacional e um da Polícia. Despertando-os a tiros, dizendo em voz alta os nomes dos primeiros atacantes, destacados como os mais importantes do bando, dando viva a Nossa Senhora, os oitos cangaceiros conseguiram dominar todos os soldados. Enquanto isso, os presos acendiam velas e lamparinas para iluminar as celas. Os cangaceiros se apoderaram das armas e munições, distribuiriam com presos que, aos poucos, iam ganhando liberdade e ajudando no ataque. Arrebentaram cadeados, fechaduras, dobradiças, grades e saleiras com pedras, machados e outros instrumentos. Foi um verdadeiro levante, na maior algazarra. Depois se retiraram gritando pelas ruas, quando já se tinham evadido 42 presos de justiça, ficando 12 que não quiseram fugir. Os fugitivos tomaram rumos diversos, não constando nos autos a captura de um só criminoso. Nunca tantos presos deveram tanto, a tão poucos bandoleiros.
Hoje, a Cadeia Velha, que resiste à passagem do tempo, é um marco da era imperial encravada no sertão da Paraíba, uma relíquia da memória pombalense, que faz parte do centro histórico da nossa querida cidade. Então, quando estiver em Pombal, visite a Cadeia Velha – A Casa da Cultura – os seus passos serão os de muitos que ali passaram e fizeram história, infelizmente, de muitos crimes.

(*) Agrônomo, pesquisador e sócio da SBEC.

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