João de Sousa Lima (*)
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O povoado Salgadinho, em Paulo Afonso, Bahia, situado nas margens da exuberante Serra do Padre, rendeu-se aos encantos sublimes da mais deslumbrante flor germinada em seus campos: a belíssima Lídia Pereira de Souza. Uma formosa morena de traços perfeitos e sedutores e curvas delineadamente sensuais.
Lídia Pereira de Souza viria um dia a se tornar a bela cangaceira Lídia de Zé Baiano. Lídia era filha do modesto casal Luís Pereira de Souza e Maria Rosa Figueiredo, conhecida pela alcunha de Dona Baló, uma exímia rendeira e costureira.
O Salgadinho por ser um dos lugares bastante percorridos pelo Rei do Cangaço e seus seguidores, na época em que a andança do capitão Virgolino atingiu seu apogeu em terras baianas, me foi bastante informativo enquanto eu realizava pesquisas para o livro “Lampião em Paulo Afonso”. Por dezenas de vezes estive naquela localidade, registrando as histórias contadas pelos velhos remanescentes da luta cangaceira e fotografando os lugares que serviram de esconderijos aos cangaceiros. Neste período, uma das coisas que mais despertou minha atenção foi conhecer a casa onde nasceu a bela cangaceira Lídia, de Zé Baiano. Contra todas as possibilidades e intempéries geradas pelo tempo, a casa teimava em continuar erguida, mesmo estando assombrosamente carcomida pelos cupins, resistia imponente e enigmática.
Muitos estudiosos do tema cangaço estiveram comigo visitando a velha moradia da mais linda das cangaceiras. Em uma das minhas últimas visitas estive lá sozinho, sem pressa e pude apreciar cada canto, cada forma e cada fresta do velho casebre. Em um dos quartos, por uma das rachaduras da parede, divisei, entre centenas de casas de marimbondos, um antigo baú e dividindo o frestal com os morcegos, estava uma velha lamparina. Como é que tinha passado despercebido, aos meus olhos garimpeiros, por tantas vezes, estes velhos objetos? Enquanto no meu silêncio apreciava aquelas relíquias, senti a presença de alguém que se aproximava e despertei com a voz de uma senhora que me trazia a realidade: era dona Nilda, sobrinha da cangaceira Lídia. Nilda é a guardiã da velha casa. Conversamos por alguns minutos e com o consentimento de dona Nilda, acertamos de resgatar todo o material existente naquele cubículo, onde me caberia algumas peças, tarefa não tão fácil, pela dificuldade de transpor a barreira de centenas de vespas com seus ardentes e venenosos ferrões.
Voltei para Paulo Afonso e me preparei adquirindo equipamentos de proteção para usar, que pudessem me proteger no resgate do tesouro deixado por dona Baló. No dia 15 de maio de 2005, uma fria manhã de domingo, de nuvens negras e ameaçadoras, embarquei com o estimado amigo Ivan Caetano, um aposentado mecânico de aeronaves e que durante muito tempo dedicou sua especialíssima mão-de-obra ao setor de aviação da CHESF. Seguimos viagem, eu, Ivan e sua esposa Leonídia, na boleia da antiga e inseparável "TRUBANA", uma F-1000, vermelha, que Ivan possui há muito tempo.
No percurso, de aproximadamente 12 quilômetros, sendo a maior parte em estrada de chão, pudemos observar os estragos feitos pela chuva que há dias castigava aquele pedaço de chão. Aos solavancos e pelas mãos firmes do velho amigo, atravessamos uma estrada molhada e escorregadia até chegarmos no povoado Salgadinho. Descemos entre poças de lamas e riachos de águas correntes, bem na frente da casa da cangaceira Lídia e lateral às casas de dona Nilda e Sinhozinho, único irmão vivo da cangaceira Lídia. O verdadeiro nome de Sinhozinho é José Luís Pereira.
Por alguns minutos conversamos com dona Nilda e depois seguimos na direção da casa de Sinhozinho, onde pudemos saborear uma docíssima melancia, sob a fresca aragem de um frondoso umbuzeiro. Depois da melancia, nos preparamos para a árdua tarefa de resgatar o baú de dona Baló. Coloquei macacão, botas, luvas e um chapéu com uma rede de nylon.
Seguimos, eu e o Ivan até a parte traseira da casa, local que dava um melhor acesso para entrarmos no quarto, onde se encontrava o baú e a lamparina. Enquanto Ivan se encarregava de ir enchendo dois vasilhames com querosene, eu saía alvejando o mortífero líquido nas casas das ariscas vespas, que aos montes atacavam tentando ferroar-me, sem sucesso.
Enquanto centenas de maribondos voavam desnorteados, eu vasculhava os recantos semi-escuros daquele pavimento. Na verdade, lá dentro, existiam três baús. Um deles, o mais bonito de todos, mesmo sendo recoberto por couro, desintegrou-se quando eu o toquei, tentando arrastá-lo para fora e, de dentro do baú, saíram centenas de abelhas pretas que em vão tentavam picar-me, buscando protegerem uma já esfarelada colméia. Peguei o baú que se encontrava em perfeito estado e dentro encontrei algumas velhas e carcomidas peças de roupa, carretéis de linhas, velhas notas de dinheiro, valendo um, dois, dez, vinte e cinquenta cruzeiros. Deixei o perfeito baú aos cuidados do amigo Ivan e retornei para vasculhar a velha armação de um desintegrado caixote.
No meio das tábuas mofadas e da areia úmida e batida, encontrei coisas mais interessantes, tais como:
Lídia Pereira de Souza viria um dia a se tornar a bela cangaceira Lídia de Zé Baiano. Lídia era filha do modesto casal Luís Pereira de Souza e Maria Rosa Figueiredo, conhecida pela alcunha de Dona Baló, uma exímia rendeira e costureira.
O Salgadinho por ser um dos lugares bastante percorridos pelo Rei do Cangaço e seus seguidores, na época em que a andança do capitão Virgolino atingiu seu apogeu em terras baianas, me foi bastante informativo enquanto eu realizava pesquisas para o livro “Lampião em Paulo Afonso”. Por dezenas de vezes estive naquela localidade, registrando as histórias contadas pelos velhos remanescentes da luta cangaceira e fotografando os lugares que serviram de esconderijos aos cangaceiros. Neste período, uma das coisas que mais despertou minha atenção foi conhecer a casa onde nasceu a bela cangaceira Lídia, de Zé Baiano. Contra todas as possibilidades e intempéries geradas pelo tempo, a casa teimava em continuar erguida, mesmo estando assombrosamente carcomida pelos cupins, resistia imponente e enigmática.
Muitos estudiosos do tema cangaço estiveram comigo visitando a velha moradia da mais linda das cangaceiras. Em uma das minhas últimas visitas estive lá sozinho, sem pressa e pude apreciar cada canto, cada forma e cada fresta do velho casebre. Em um dos quartos, por uma das rachaduras da parede, divisei, entre centenas de casas de marimbondos, um antigo baú e dividindo o frestal com os morcegos, estava uma velha lamparina. Como é que tinha passado despercebido, aos meus olhos garimpeiros, por tantas vezes, estes velhos objetos? Enquanto no meu silêncio apreciava aquelas relíquias, senti a presença de alguém que se aproximava e despertei com a voz de uma senhora que me trazia a realidade: era dona Nilda, sobrinha da cangaceira Lídia. Nilda é a guardiã da velha casa. Conversamos por alguns minutos e com o consentimento de dona Nilda, acertamos de resgatar todo o material existente naquele cubículo, onde me caberia algumas peças, tarefa não tão fácil, pela dificuldade de transpor a barreira de centenas de vespas com seus ardentes e venenosos ferrões.
Voltei para Paulo Afonso e me preparei adquirindo equipamentos de proteção para usar, que pudessem me proteger no resgate do tesouro deixado por dona Baló. No dia 15 de maio de 2005, uma fria manhã de domingo, de nuvens negras e ameaçadoras, embarquei com o estimado amigo Ivan Caetano, um aposentado mecânico de aeronaves e que durante muito tempo dedicou sua especialíssima mão-de-obra ao setor de aviação da CHESF. Seguimos viagem, eu, Ivan e sua esposa Leonídia, na boleia da antiga e inseparável "TRUBANA", uma F-1000, vermelha, que Ivan possui há muito tempo.
No percurso, de aproximadamente 12 quilômetros, sendo a maior parte em estrada de chão, pudemos observar os estragos feitos pela chuva que há dias castigava aquele pedaço de chão. Aos solavancos e pelas mãos firmes do velho amigo, atravessamos uma estrada molhada e escorregadia até chegarmos no povoado Salgadinho. Descemos entre poças de lamas e riachos de águas correntes, bem na frente da casa da cangaceira Lídia e lateral às casas de dona Nilda e Sinhozinho, único irmão vivo da cangaceira Lídia. O verdadeiro nome de Sinhozinho é José Luís Pereira.
Por alguns minutos conversamos com dona Nilda e depois seguimos na direção da casa de Sinhozinho, onde pudemos saborear uma docíssima melancia, sob a fresca aragem de um frondoso umbuzeiro. Depois da melancia, nos preparamos para a árdua tarefa de resgatar o baú de dona Baló. Coloquei macacão, botas, luvas e um chapéu com uma rede de nylon.
Seguimos, eu e o Ivan até a parte traseira da casa, local que dava um melhor acesso para entrarmos no quarto, onde se encontrava o baú e a lamparina. Enquanto Ivan se encarregava de ir enchendo dois vasilhames com querosene, eu saía alvejando o mortífero líquido nas casas das ariscas vespas, que aos montes atacavam tentando ferroar-me, sem sucesso.
Enquanto centenas de maribondos voavam desnorteados, eu vasculhava os recantos semi-escuros daquele pavimento. Na verdade, lá dentro, existiam três baús. Um deles, o mais bonito de todos, mesmo sendo recoberto por couro, desintegrou-se quando eu o toquei, tentando arrastá-lo para fora e, de dentro do baú, saíram centenas de abelhas pretas que em vão tentavam picar-me, buscando protegerem uma já esfarelada colméia. Peguei o baú que se encontrava em perfeito estado e dentro encontrei algumas velhas e carcomidas peças de roupa, carretéis de linhas, velhas notas de dinheiro, valendo um, dois, dez, vinte e cinquenta cruzeiros. Deixei o perfeito baú aos cuidados do amigo Ivan e retornei para vasculhar a velha armação de um desintegrado caixote.
No meio das tábuas mofadas e da areia úmida e batida, encontrei coisas mais interessantes, tais como:
duas grandes moedas do tempo do Império, datadas de 1831 e que trazem estampadas o numeral 40, dois tinteiros de nanquim, dois punhais, sendo um de 35 centímetros e um menor e mais belo, medindo 23 centímetros trazendo na folha de aço o nome, FAVORITA KOCK e C° KOLM, ST e C, uma mecha de cabelos presa por uma trabalhada peça de ouro, um chicote de couro, um canivete, dois vidros antigos de perfume, duas esporas, uma casca de bala com as iniciais FEAG e datada de 1921, vários botões de tamanhos variados, um dedal, 04 chaves de portas, várias fivelas, um pequeno recipiente de alumínio feito para guardar agulhas, vários carretéis de madeira (escrito em alguns: LINHA BISPO, GLACÊ E ÔLHO), uma almotolia para lubrificar máquina, dois fusos, um vazador de fabricação artesanal, uma moeda de 100 réis, datada de 1928.
Das paredes de taipa resgatei a velha lamparina e algumas imagens de santos (estas acabaram ficando com Sinhozinho). Esse era o tesouro de dona Baló, mãe da cangaceira Lídia. Dentro de três velhos baús, peças da época do cangaço se misturavam com outras coisas mais recentes e acabaram despertando o meu lado garimpeiro das coisas do passado.
Nos despedimos dos amigos já com o horário do almoço ultrapassado e sem que antes saboreássemos uma outra melancia, oferecida desta vez, pelas mãos de dona Nilda.
Saímos do povoado Salgadinho observando no horizonte negras nuvens que caminhavam cercando o antigo povoado. Retomamos o caminho de volta, dando uma parada no povoado Açude, mais precisamente no bar do Bilinho, onde degustamos uma deliciosa galinha de capoeira e o tradicional bode assado.
Aquele dia, por ser um dia daqueles que dificilmente conseguimos esquecer, havia me proporcionado uma grande felicidade.O verdadeiro tesouro que encontrei naquela nublada manhã de domingo, estava no doce sabor da melancia, na fresca aragem do frondoso umbuzeiro, nas pisadas nos riachos de águas turvas e correntes, nos esporádicos pingos de chuva que nos encharcavam e na alegria do sorriso do meu querido casal de amigos.
(*) Escritor e Historiador, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Paulo Afonso. Sócio da SBEC.
Das paredes de taipa resgatei a velha lamparina e algumas imagens de santos (estas acabaram ficando com Sinhozinho). Esse era o tesouro de dona Baló, mãe da cangaceira Lídia. Dentro de três velhos baús, peças da época do cangaço se misturavam com outras coisas mais recentes e acabaram despertando o meu lado garimpeiro das coisas do passado.
Nos despedimos dos amigos já com o horário do almoço ultrapassado e sem que antes saboreássemos uma outra melancia, oferecida desta vez, pelas mãos de dona Nilda.
Saímos do povoado Salgadinho observando no horizonte negras nuvens que caminhavam cercando o antigo povoado. Retomamos o caminho de volta, dando uma parada no povoado Açude, mais precisamente no bar do Bilinho, onde degustamos uma deliciosa galinha de capoeira e o tradicional bode assado.
Aquele dia, por ser um dia daqueles que dificilmente conseguimos esquecer, havia me proporcionado uma grande felicidade.O verdadeiro tesouro que encontrei naquela nublada manhã de domingo, estava no doce sabor da melancia, na fresca aragem do frondoso umbuzeiro, nas pisadas nos riachos de águas turvas e correntes, nos esporádicos pingos de chuva que nos encharcavam e na alegria do sorriso do meu querido casal de amigos.
(*) Escritor e Historiador, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Paulo Afonso. Sócio da SBEC.
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