Além dos trios Madrigal (Edda Cardoso, Magda Marialba e Margarida Oliveira) e Melodia (Paulo Tapajós, Nuno Roland e Albertinho Fortuna) e da dupla Cascatinha & Inhana, o maestro e instrumentista paulista Lindolfo Gaya (1921-87) não escapou da tentação e também gravou a música, junto com sua orquestra. Aliás, esse foi o único disco de 78 RPM que ele fez para a RCA Victor, em abril de 1953.
As gravações e regravações de “Mulher Rendeira” continuaram a ser feitas.
Nilo Sérgio, por exemplo, fez uma versão dessa música para a Orquestra Românticos de Cuba, criada por ele e regida durante anos pelo maestro paraibano Severino Araújo, o lendário titular da Orquestra Tabajara (fundada em 1934, pelo holandês Oliver Von Sohsten). Severino Araújo também foi o responsável pelos arranjos e orquestrações do repertório de um grupo formado especialmente para gravar dois LPs: BOLEROS E ROMANCES e VISITA MUSICAL, para a Siemens do Brasil. O grupo, um quinteto, era formado pelo próprio Severino e seus irmãos Manoel (trombone); Jaime (sax-alto), Plínio (bateria) e Zé Bodega (sax-tenor), de batismo José de Araújo Oliveira; 1923-2003. Curiosidade: Zé Bodega, considerado um dos dez maiores saxofonistas do Brasil em todos os tempos, deixou de tocar após ser aclamado numa apresentação, na capital de São Paulo: emocionado, achava que ia morrer...
Há outras versões de “Mulher Rendeira”, como a de Milton José, para o grupo Os Brasas; a de João Portaro para a cantora Dalva de Oliveira; a de Hervé Cordovil, Meirelles, Ruzanoviski, Silmar de Oliveira, Nonato Luiz...
Como baião, “Mulher Rendeira” foi gravada pela Orquestra Todamérica, pelo Trio Marabá, por Bill Farr e pelo pianista Leal Brito, em 78 RPM. Leal Brito também costumava usar o pseudônimo de Pierre Kolmann...
Até o ex-cangaceiro Volta Seca (Antônio dos Santos) a gravou em 1957, no único disco (de 33 RPM) em que a sua voz é ouvida. O disco é de 10 polegadas foi intitulado de CANTIGAS DE LAMPEÃO (com “e”), para a Todamérica.
A cantora e atriz carioca Vanja Orico também gravou essa música e é ela mesma quem lembra: “O filme de Lima Barreto foi muito importante para mim porque me projetou e me abriu muitas portas, principalmente na Europa”.
Gravações diferentes de “Mulher Rendeira” em discos de 78, 45 e 33 RPM podem ser achadas até hoje no mercado, no formato de CD, tanto no Brasil quanto no Exterior, na voz do francês Jean Sablon, do italiano Domenico Modugno e da norte-americana Joan Baez. O flautista Herbie Mann também deixou sua versão, no LP SUNBELT.
No Peru, foi gravada por Los Latinos sob o título de “Mujer Tejedora”. O grupo folclórico Los Incas preferiu intitulá-la de “O Cangaceiro”, em 1966.
Em várias partes do mundo essa música ora é creditada a Zé do Norte, ora a A. R. Nascimento e DP (Domínio Público) e foi gravada e continua sendo gravada com títulos que vão desde “El Bandido” e “The Bandit” a “The Cangaceiro”.
Nos Estados Unidos, a baiana Astrud Gilbert e o norte-americano Stanley Turrentine a gravaram com o título de “Brazilian Tapestry” (LP JAZZ SPECIAL) após sofrer adaptação de Eumir Deodato.
No Paraguai, Luis Alberto Del Paraná e su Trio Los Paraguayos intitularam “Mulher Rendeira” de “Oh Cangaceiro”.
Na França, há uma versão de Jean-Claude Egreteau para o grupo Los Machucambos e outra do maestro Michel Legrand, com orquestra regida por ele mesmo.
Na Alemanha, Roberto Delgado – pseudônimo de Horst Wende (1919-96) – a gravou no LP STARGALA HAPPY SOUTH AMERICA, com o mesmo título escolhido por Baez: “O Cangaceiro”.
Em Portugal, o músico e teatrólogo Carlos Clara Gomes, junto com a Brigada Victor Jara, levou ao palco o espetáculo Ópera do Bandoleiro, sobre a vida de Lampião. Na trilha foi incluída uma versão de “Mulher Rendeira”. O CD, de 1994, tem a participação do pernambucano Quinteto Violado.
O vienense Erwin Halletz a gravou com orquestra, como vários outros artistas. Curiosidade: na capa do disco de Halletz a referida música aparece intitulada de “O Cangaceiro” e na contracapa, abrindo a faixa 2, no original: “Mulher Rendeira”, com crédito a Zé do Norte.
A cantora Lana Bittencourt se orgulha de ter cantado “Mulher Rendeira” na Praça Vermelha, em Moscou, para uma multidão segundo ela, “calculada em 250 mil pessoas”.
O Demônios da Garoa gravou essa música no dia 27 de janeiro de 1953. O Coral Misto, no dia 29.
O Cangaceiro foi todo rodado em Vargem Grande do Sul, SP, e algumas cenas, que não foram usadas, nos estúdios da Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, SP. A Columbia Pictures o distribuiu para metade do planeta.
Curiosidades registradas durante as filmagens:
O diretor Lima Barreto se separou da mulher, Valentina.
A atriz Marisa Prado, a bela professorinha do filme premiado como o melhor de aventuras em Cannes, se separou do marido Fernando de Barros para se casar com o galã Alberto Ruschel, e em seguida com o ditador cubano Fulgencio Batista (1901-73), que lhe deixou uma fortuna incalculável desfrutada, porém, por um playboy egípcio com quem contraíra novas núpcias. Marisa morreu misteriosamente...
Várias atrizes figurantes ficaram grávidas dos “cangaceiros” de Barreto, que segundo Inezita Barroso era ”um grande mulherengo”, razão que a levou a declinar do papel. Por causa da recusa, ela conta que o diretor, irritado, lhe disse aos berros: “Como cantora, você não vai ser nada!”.
Vanja Orico, que integrou o coral da gravação original da trilha do filme, conta que chegou a brigar a socos e pontapés com a atriz Neusa Vera, pelo direito de interpretar uma das músicas: “Sodade, Meu Bem Sodade”: “Eu bati nela sim, e ela bateu em mim, e no dia seguinte não houve filmagem porque estávamos as duas machucadas”.
Em Cannes, O Cangaceiro, que teve direito a execução do Hino Nacional logo após a exibição, contou com a presença de convidados muito especiais, como: Walt Disney, Lex Baxter, Kirk Douglas e Brigitte Bardot, “à época apenas uma modelo em busca do estrelato ainda desconhecida, desfilando entre o público com roupas minúsculas...”, segundo lembranças de Vanja Orico.
Ainda entre os convidados se achavam Jean Cocteau e Gary Cooper, que depois, entusiasmadíssimo, fez um comentário óbvio: “Esse filme é maravilhoso”.
O resto dessa história certamente pouca gente desconhece. O filme bateu muitos recordes de bilheteria mundo a fora. Entre esses recordes, o de um filme especial: A Ponte do Rio Kwai (The Bridge on the River Kwai), com Willian Holden e outros grandes, dirigido por David Lean, em 1957, que viria a ganhar sete estatuetas Oscar da Academia de Artes Cinematográficas e Ciências de Hollywood, em Los Angeles.
Quanto à Vanja, filha de um ferreiro paraense, Oswaldo (1900-81), depois escritor e diplomata de carreira, e de uma professora de família tradicional gaúcha, Clara, pode se dizer que sua participação no filme a levou a excursionar como artista por boa parte da Europa e dos Estados Unidos, chegando a subir ao palco do Olympia de Paris e do Cornegie Hall de Nova Iorque, com sucesso que a princípio ela mesma se surpreendeu. Vanja Orico também gravou duas dezenas de discos, vários na França e na Alemanha. À França ela voltou diversas vezes, por conta da fama conquistada no O Cangaceiro, “mas sempre cantando músicas brasileiras”, frisa, sempre.
Além de atriz e cantora, a cidadã Vanja Orico, que acha que “política separa e arte une as pessoas”, teve participação marcante num episódio que resultou na morte do estudante de Medicina Luiz Paulo Cruz Nunes. Foi durante uma passeata de protesto contra a ditadura militar no Rio de Janeiro, ocorrida no dia 22 de outubro de 1968. Naquela ocasião ela se jogou à frente de carros do Exército, gritando para o mundo ouvir: “Não atirem, somos todos brasileiros!”. A frase ficou famosa e o episódio resultou na sua prisão e exílio. Hoje, a protagonista feminina do filme de Lima Barreto recorda: “Fiz aquilo porque amo e sempre amarei o Brasil”.
(*) Jornalista e escritor paraibano, radicado em São Paulo, autor de vários livros ligados à História da Música brasileira. Sócio da SBEC.
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