SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O Costume do Sertão

Clotilde Tavares (*)
Arte: Casamento Sertanejo - Mestre Vitalino
Coisa que não acontece mais hoje são os casamentos entre parentes próximos, que eram tão freqüentes nas gerações anteriores. Nos idos do século XIX, havia pouca gente no mundo, as distâncias eram grandes e não havia estradas, e as uniões entre primos em primeiro grau, os chamados “primos legítimos”, aconteciam com freqüência. Muitas vezes casavam-se primos filhos de dois conjuntos de irmãos, os chamados “primos carnais” ou “germanos”. Na minha família, as duas irmãs da minha avó materna, casaram com dois irmãos, seus primos, filhos de um irmão do pai das moças.
Também era comum o casamento de tio com sobrinha e de cunhado com cunhada, sobretudo quando o homem ficava viúvo com muitos filhos. Sempre era mais conveniente casar com alguém de dentro da casa e com quem as crianças já estavam acostumadas, do que buscar uma mulher estranha para impor aos filhos. Tal casamento também era vantajoso pois protegia a herança.
Um caso curioso e extremo é o relatado por Fernando Cruz, que, ao contar a história de Mombaça, cidade do Ceará, narra, entre muitos outros, um episódio em que Joana Sebastiana da Rocha, viúva de Manuel da Cunha Pereira, casou em segundas núpcias com um neto do próprio marido, filho de um filho que este tinha de um primeiro casamento. A união foi tão esdrúxula que exigiu dispensa especial da Santa Sé, obtida através do bispo de Olinda, mas acabou desencadeando uma luta de família, pois o casamento, mesmo aprovado pelo Papa, foi contra os costumes dos clãs familiares. Está tudo na Internet, no site “Maria Pereira Web – o site que conta a história de Mombaça”, cujo endereço é
http://www.mariapereiraweb.net/. A história é heróica, sangrenta e verdadeira.
Mas há episódios deliciosos, como aquele contado por Otavio Sitônio Pinto, no seu livro “Dom Sertão Dona Seca” (João Pessoa, A União, 2002) sobre a autoridade que sua tia-avó, Maria Augusta Pereira Diniz (Doninha) exercia dentro da família e que usava para determinar os destinos das pessoas. Reproduzo direto do livro: “Quando morreu sua irmã Francisca (primeira mulher do meu avô João Sitônio), Doninha, a porta-voz, acuou meu avô: “João, você vai se casar com Porcina” - uma das seis irmãs sobreviventes. Meu avô ainda ponderou: “Deixem eu escolher Joaninha” (a outra irmã solteira). Ora, Joaninha, minha avó, tinha doze anos. Meu avô esperou-a mais quatro anos, até que ela se formasse moça. E assim se cumpriu, conforme o costume do Sertão.”


(*) Clotilde Santa Cruz Tavares: Escritora, médica e professora, de Campina Grande (PB), sócia da SBEC.

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