A xilografia popular nordestina completou 100 anos em 2007, tendo o único documento escrito, o cordel editado por Chagas Batista em 1907, A História de Antônio Silvino, e que se encontra nos arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Em toscos pedaços de madeira, o artista popular nordestino construiu a mais rica e instigante expressão plástica da cultura rural brasileira. De pouca leitura, o artista usou a técnica milenar da xilogravura para retratar o seu mágico universo, onde anjos se misturam com demônios, beatos com cangaceiros, princesas com boiadeiros, todos envolvidos nas crenças, esperanças, lutas e desenganos da região mais pobre do País.
A aridez inclemente de todas as estações torna a paisagem sertaneja campo fértil para o fantástico. Dentro da paisagem real, marcada por contrastes sociais, onde a maior sede é de Justiça, os seres sofridos, desprezados e perseguidos encontram nos traços do gravador popular o campo para se transfigurarem em heróis e hóspedes de honra de um mundo melhor.
Ariano Suassuna vê nas relações entre a gravura medieval e a xilogravura, sentiu que na gravura popular o que mais lhe agradava era o real transfigurado pelo poético, o real como mero ponto de partida, o achatamento geral da gravura pela ausência de profundidade, pela falta de tons entre o claro-escuro e pela falta de perspectiva, assim como a predominância do traço limpo, puro e forte contornando as figuras. Ele próprio é de opinião que a gravura e a literatura populares nordestinas representam um dos mais autenticamente brasileiros trabalhos de criação.
Considerar os xilogravadores apenas como xilógrafos não nos parece termo próprio. Eles tiram da crença e da vivência o material de seu universo. Eles são mais que desenhistas, artesãos. São criadores. Tratá-los de xilógrafos, é chamá-los de datilógrafos, em vez de escritores.
J. Borges está entre os maiores retratistas da fantasia sertaneja. Em cenas falsamente ingênuas ele produz com extraordinária força dramática o sonho sertanejo de superação da realidade, como o fez no humor cruel da belíssima gravura A Chegada da Prostituta no Céu.
A xilogravura popular, só se firmou como meio independente de expressão ao chamar a atenção da classe acadêmica na década de 1960. Com o incentivo da universidade, libertou-se do folheto e conquistou a elite cultural e o mercado urbano.
As outras formas de ilustração, como o desenho, a fotografia e os cartões postais reproduzidos em zincogravura foram prática comum. A xilogravura entraria, com vigor, com a popularização da indústria gráfica de folhetos. A impressora de fundo de quintal passou a assumir a posição das grandes folhetarias. Já nos anos de 1960 até 1970, ela deixou a capa de folheto e passou a significar forma independente de expressão, sem abandonar o modo de vida rural. Atingiu o apogeu nos anos 70 quando o cordel entrava em franca decadência.
A valorização da fantasia gráfica sertaneja coincidiu com o movimento de transformação das demais manifestações culturais urbanas, depois da inauguração de Brasília. O País voltava as vistas para o interior na procura de sua real identidade.
O prestígio dela é contemporâneo da busca de novos caminhos no teatro, na música, no cinema e na literatura brasileira. No meio da efervescência, conquistou prestígio nacional e internacional. Apareceu com freqüência em reportagens de jornais e revistas. Provocou edição de álbuns especiais e foi requisitada para ilustrar embalagens de disco e de livros, para narrativa de filme e para apresentar e compor cenário de telenovela.
A primeira produção em cores da TV brasileira, a versão inicial de Roque Santeiro, da Rede Globo, punha em destaque gravuras talhadas pelo pernambucano J.Borges. Infelizmente, jamais chegou a ser lançada, apesar do alto custo da produção. Nada de preconceito contra a gravura popular. A ditadura não tinha gostado do satírico enredo de Dias Gomes.
(*) Escritor, professor. Sócio da SBEC.
Em toscos pedaços de madeira, o artista popular nordestino construiu a mais rica e instigante expressão plástica da cultura rural brasileira. De pouca leitura, o artista usou a técnica milenar da xilogravura para retratar o seu mágico universo, onde anjos se misturam com demônios, beatos com cangaceiros, princesas com boiadeiros, todos envolvidos nas crenças, esperanças, lutas e desenganos da região mais pobre do País.
A aridez inclemente de todas as estações torna a paisagem sertaneja campo fértil para o fantástico. Dentro da paisagem real, marcada por contrastes sociais, onde a maior sede é de Justiça, os seres sofridos, desprezados e perseguidos encontram nos traços do gravador popular o campo para se transfigurarem em heróis e hóspedes de honra de um mundo melhor.
Ariano Suassuna vê nas relações entre a gravura medieval e a xilogravura, sentiu que na gravura popular o que mais lhe agradava era o real transfigurado pelo poético, o real como mero ponto de partida, o achatamento geral da gravura pela ausência de profundidade, pela falta de tons entre o claro-escuro e pela falta de perspectiva, assim como a predominância do traço limpo, puro e forte contornando as figuras. Ele próprio é de opinião que a gravura e a literatura populares nordestinas representam um dos mais autenticamente brasileiros trabalhos de criação.
Considerar os xilogravadores apenas como xilógrafos não nos parece termo próprio. Eles tiram da crença e da vivência o material de seu universo. Eles são mais que desenhistas, artesãos. São criadores. Tratá-los de xilógrafos, é chamá-los de datilógrafos, em vez de escritores.
J. Borges está entre os maiores retratistas da fantasia sertaneja. Em cenas falsamente ingênuas ele produz com extraordinária força dramática o sonho sertanejo de superação da realidade, como o fez no humor cruel da belíssima gravura A Chegada da Prostituta no Céu.
A xilogravura popular, só se firmou como meio independente de expressão ao chamar a atenção da classe acadêmica na década de 1960. Com o incentivo da universidade, libertou-se do folheto e conquistou a elite cultural e o mercado urbano.
As outras formas de ilustração, como o desenho, a fotografia e os cartões postais reproduzidos em zincogravura foram prática comum. A xilogravura entraria, com vigor, com a popularização da indústria gráfica de folhetos. A impressora de fundo de quintal passou a assumir a posição das grandes folhetarias. Já nos anos de 1960 até 1970, ela deixou a capa de folheto e passou a significar forma independente de expressão, sem abandonar o modo de vida rural. Atingiu o apogeu nos anos 70 quando o cordel entrava em franca decadência.
A valorização da fantasia gráfica sertaneja coincidiu com o movimento de transformação das demais manifestações culturais urbanas, depois da inauguração de Brasília. O País voltava as vistas para o interior na procura de sua real identidade.
O prestígio dela é contemporâneo da busca de novos caminhos no teatro, na música, no cinema e na literatura brasileira. No meio da efervescência, conquistou prestígio nacional e internacional. Apareceu com freqüência em reportagens de jornais e revistas. Provocou edição de álbuns especiais e foi requisitada para ilustrar embalagens de disco e de livros, para narrativa de filme e para apresentar e compor cenário de telenovela.
A primeira produção em cores da TV brasileira, a versão inicial de Roque Santeiro, da Rede Globo, punha em destaque gravuras talhadas pelo pernambucano J.Borges. Infelizmente, jamais chegou a ser lançada, apesar do alto custo da produção. Nada de preconceito contra a gravura popular. A ditadura não tinha gostado do satírico enredo de Dias Gomes.
(*) Escritor, professor. Sócio da SBEC.
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