SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Sertanejo

Cunha Carneiro (*)
Arte: Retirantes (Rogério Soud)

Esse homem que vem pelo caminho,
Figura esquálida, de andar dolente,
Reflete toda a mágoa de sua gente
E transmite o amargor do ser mesquinho.

A desdita, companheira constante,
Fê-lo descrente de um porvir risonho.
Fartura e graça não passam de sonho,
Fustigando-lhe a alma a todo instante.

Os flagelos cíclicos: seca e cheia,
Matam-lhe os frutos do labor da terra.
O próprio viver se transmuda em guerra,
Exaure-lhe o sangue ao abrir-lhe a veia.

A fuga, o êxodo, a retirada,
A busca eterna do pouso vazante,
Fazem-no nômade, animal errante,
De incontáveis léguas de caminhada.

A parada curta, vaga, emergente,
Traz-lhe sustento para mais um dia:
- Jamais a esmola que, ao se dar, vicia -
A paga do eito é suficiente.

O açoite da vida a dobrar-lhe o dorso,
O trabalho insano, turrão, sem fé,
São incapazes de arredar-lhe o pé;
Não lhe esmorecem, nem fazem sobrosso.

Pois não só o peso da fatalidade
Curva essa costa sempre sofredora,
A carga maior é compensadora:
É o peso ingente da dignidade.

(*) Escritor, poeta, pesquisador.

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