SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Nor...destinos

Cunha Carneiro (*)

Eu sou das bandas do Norte,
d´onde o homem, prá ser forte,
só precisa ter nascido.
Eu sou da fibra da embira,
sou bebedor de tiquira,
sou de couro bem curtido.

Sou o fio da peixeira,
sou banda de cartucheira,
pano e corte do facão.
Sou o brilho das areias,
sou o facho das candeias,
sou o luar do sertão.

Sou a flor do mandacaru,
sou torrão de mulundu,
sou a carcaça da morte.
Eu sou a onça, de esturro.
Cabra rijo, bom de murro,
cabra macho, mau de corte.

Sou casa de pau-a-pique,
bangüê, engenho, alambique
(ruim de cobre, bom de barro).
Sou o bagaço da cana,
sou a carroça cigana,
parelha de boi de carro.

Sou a Diana Pastora,
Cat´rina desejadora
e Mateus em Boi-bumbá.
Sou a Festa do Divino,
nascer de Jesus Menino,
Ciranda de Itamaracá.

Sou bumba boi de matraca;
xaxado, quadrilha e taca,
embolada, aboio e xote.
Sou cambito e tacuruba,
mocho de maçaranduba,
cabaça, moringa e pote.

Sou tangerino e vaqueiro,
rastejador e mateiro,
bom de laço e de ferrão.
Sou o diabo encourado:
trago no corpo fechado,
perneira, faixa e gibão.

Eu sou a enxada na terra.
Sou a espingarda na guerra.
Velas no Norte Atlântico.
Sou cantador de repente.
Sou violeiro valente
e seresteiro romântico.

Sou mesa farta: vatapá,
buchada, arroz-de-cuchá,
carne-de-sol e pirão.
Acarajé no dendê,
canjiquinha e manuê,
paçoquinha de pilão.

Sou andarilho sedento.
Faminto, caminhar lento,
tentando enganar a morte.
Sou êxodo, retirada.
Sou fuga, sou caminhada.
Sou a procura da sorte.

Eu sou a seca inclemente.
Sou deserto e sol ardente,
caloraço que aperreia.
Sou o trovão retumbante,
chuva e rio transbordante.
Sou o flagelo da cheia.

Sou as lutas intestinas:
Canudos, Balaios. Sinas
de Sabinos e Mascates.
Sou versos de Castro e Dias,
incelências, romarias,
desafio entre dois vates.

Dos grandes feitos, herdeiro:
de Cícero e Conselheiro,
de João Grilo e Cancão.
De Lampião e Maria,
de Corisco e Ventania,
de Aderaldo e Frei Damião.

Eu sou da brava caatinga
e das terras da mandinga.
Sou bem-feito e desatino.
Eu sou das bandas do Norte,
d´onde o homem, prá ser forte,
precisa ser... Nordestino!

(*) José Maria da CUNHA CARNEIRO é escritor, poeta e pesquisador.

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