SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

terça-feira, 29 de julho de 2008

O Cangaceiro Que Virou "Santo" e o Herói Que Não é Lembrado

Natividade Praxedes (*)
Fotografia: o túmulo de José Leite de Santana, o Jararaca.

Na história do cangaço já se ouviu falar de muitos enigmas: na beleza de Maria; na bravura de Lampião; nas injustiças e violência dos coronéis; no banditismo como fenômeno universal; nas polícias e seus integrantes disfarçados de cangaceiros, usando da mesma ferocidade; no clima de violência em todo o sertão nordestino; na música “Mulher Rendeira”. O que não falta na história do cangaço nordestino são contradições, uma hora são heróis, outra são bandidos e até mesmo "santo" fazedores de milagres, mitos que inspiram poemas, músicas, livros e a bela literatura de cordel. Mas com absoluta certeza, cangaceiro virar santo! Nessa, Mossoró também é pioneira.

O jornal Gazeta do Oeste em 12 de junho de 1994 publicou uma entrevista com o bioquímico, e hoje Assessor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), Paulo Medeiros Gastão, onde o Jornal perguntava sobre o fato da devoção hodierna à Jararaca quando muitas pessoas acham que ele obra milagres e a visão do pesquisador, respondeu: "A história do milagre se confunde muito com o misticismo, com a conduta cultural de um povo. Jararaca, apenas foi consagrado, por conta de sua bravura. O povo sempre busca o menor para enaltecê-lo. Nós sentimos isso no próprio cemitério, quando o túmulo de Rodolfo Fernande, não recebe o mesmo número de visitas correspondentes ao túmulo onde está Jararaca".

Leiamos as informações contidas na Revista Preá: “Enquanto o túmulo do cangaceiro Jararaca é simples e pequeno o de Rodolfo Fernandes é suntuoso, com aproximadamente cinco metros de altura por quatro metros de largura, localizado bem defronte à capela do cemitério.”

Mas, a grande diferença entre os dois túmulos são as visitas recebidas: o túmulo de Jararaca recebe centenas, a toda hora do dia. Pesquisadores, estudantes, curiosos, pessoas pagando promessas, fruto da crendice popular de alguns; o sincretismo religioso é tão grande que dona Maria Dalva, de 72 anos de idade, relatou que já recebem muitas graças por interferência do cangaceiro Jararaca. Conta que, “vítima de ‘trabalhos feitos’ por sua rival passou a sentir grandes dores nas pernas; pediu para sua filha ir até ao túmulo do cangaceiro ‘santo’ pegar um pouco de terra, prometendo a devolução logo que ficasse boa, recebeu a graça e ficou fazendo sempre que precisa de um novo ‘milagre’.” Confidenciou-me que estava ali para pegar mais um pouquinho de terra para um novo milagre e só não ia fazer porque tinha muita gente em torno do túmulo e tava com vergonha, mas na semana ela voltaria em busca.

A aposentada, dona Raimunda, de 57 anos de idade, também devota sua fé ao "santo" milagreiro Jararaca. Em seu relato afirma: “Tenho muita fé e já alcancei muitas graças. Quando eu morava em Areia Branca meu marido ficou paralítico, pedi uma ‘graça’ a ele e no outro dia meu marido chegou na cozinha andando. Então passei a visitar o túmulo de Jararaca todos os meses.” O que chamou-nos atenção foi o modo emotivo de dona Raimunda pois ela chorava ao fazer suas preces. E muitos outros relatos foram feitos no decorrer daquele dia 02 de novembro de 2007.

Já o túmulo de Rodolfo Fernandes - o grande responsável pela resistência de Mossoró ao ataque do bando de Lampião, naquele 13 de junho de 1927 - parecia um pouco esquecido. Em lugar das muitas flores e velas, que sobravam no túmulo de Jararaca, só alguns papelões esquecidos perto da cruz e um homem sentado ao pé do túmulo somente pra descansar. Podemos dizer com segurança que a idolatria ao cangaceiro é muito grande, mas maior é o esquecimento ao herói da resistência .

Em Mossoró tudo lembra aquela data, quando nos referimos a Cangaço: o chapéu de aba virada pra cima, as alpercatas em couro, o artesanato, as músicas, a literatura de cordel, que está sempre contando coisas novas do acontecimento. Até nas horas do laser porque não lembrar do bando de Lampião? No Centro de Artesanato do Município de Mossoró tem duas belas estátuas: uma de Maria Bonita e a outra de Lampião.

Enquanto que, para Rodolfo, o herói da resistência mossoroense, sobrou apenas o nome em rua e praça, além da encenação do espetáculo – agora um musical – “Chuva de Bala no País de Mossoró”; talvez porque esses espetáculos rendam a Mossoró hotéis lotados e o turista aplaudindo a municipalidade.

O Povo de Mossoró até poderia resgatar o valor heróico e o arrojo do prefeito Rodolfo, mas prefere criticar, ouvir alguns cidadãos dizendo que: “seria melhor ter dado a quantia que Lampião pediu a ter que gastar tanto com espetáculos teatrais e bandas de forrós o mês inteiro, perturbando o sono de muitos mossoroenses, que preferiam não ouvir tantas músicas sem qualidade”.

Infelizmente a leitura não é hábito de muitos. É preciso que conheçam mais sobre os fatos histórico. "O coronel Rodolfo Fernandes era um homem de arrojadas iniciativas de caráter urbanístico, iniciou o calçamento de algumas ruas, construiu o primeiro jardim público de Mossoró, defendeu a cidade do bando de cangaceiros. Faleceu a 11 de outubro de 1927 , deixando como legado o exemplo de homem de visão, pioneiro e libertador , digno das mais altas homenagens do povo de Mossoró" (Geraldo Maia no artigo "Um Cidadão Chamado Rodolfo Fernandes"). O que o prefeito não visualizou foi que no dia de finados teria tanta gente idolatrando o cangaceiro e um poeta popular procurando o túmulo do verdadeiro herói da resistência de Mossoró.

Na minha humilde opinião gostaria que o leitor amigo meditasse um pouquinho sobre o paradoxo que existe entre o bandido que virou "santo" e o herói que ficou esquecido. O povo acredita na crueldade de Jararaca mas mesmo assim reza e pede graças; o povo acredita no ato heróico na bravura cívica do prefeito Rodolfo Fernandes, mas vê seu ato como uma obrigação na defesa da cidade. Já com Jararaca, existe o mito que foi enterrado vivo, e que, segundo alguns estudiosos, ele não teve nem tempo de pensar, imagine de pedir perdão; mas, para o povo nordestino, a fé é a esperança para vencer as dificuldades da vida muitas vezes tão sofrida.

Acredito que o misticismo e sincretismo religioso estão muito relacionado com a situação econômica e o nível de escolaridade que ainda sufoca os gritos de liberdade das massas despossuídas.

(*) Professora de História e Cultura Religiosa, sócia da SBEC.

3 comentários:

Anônimo disse...

Querida Natividade,

Muito bom poder reencontrá-la após aqueles maravilhosos dias do último fórum do cangaço, promovido pelos queridos amigo da Sbec.
Penso que esse misticismo em volta do santo cangaceiro Jararaca envolve algo mais que merecimento do cangaceiro em questão e desmerecimento do inegável valor de Rodolfo Fernandes. Avalio humildemente que está mais ligado ás questões da "fragilidade" espiritual de boa parte do nosso bom povo sertanejo. Jararaca me parece que acabou se tornando uma espécie de "troféu" o quase único após a loucura de Lampião invadir a nossa querida Mossoró, penso que também esse fator contribui para essa questão. Com relação ao Prefeito emprendedor e capaz, jamais poderemos negar seu valor, que se perpetuará por toda a história.Quanto ao número de pessoas que visitam os túmulos de um e de outro, talvez devessemos creditar ao panteão do folclore nordestino.

Grande Beijo

SEVERO - Fortaleza

Anônimo disse...

Parabéns pelo belo texto, concordo plenamente com a senhora, em tudo. Acredito que um dia, os feitos de Rodolfo Fernandes seram devidamente reconhecidos, afinal de contas ele foi é e sempre será o HERÓI DA RESISTÊNCIA ao bando de lampião em Mossoró.

José Edilson de A. Guimarães Segundo

Anônimo disse...

Sou estudioso sobre a vida do Cangaço. A Soc. Bras. do Cangaço (blog) trouxe memoráveis hsitórias sobre a vida dos cangaceiros e sobretudo do túmulo de Jararaca. Sou do sertão do seridó, lá de Caicó no Rio Grande do Norte. A temática cangaceiro me chama atenção e desperta minha veia poética escrever cordeis sobre as histórias passada no nordeste. Parabéns pelo blog.
Abraços
Geraldo Anízio de Caicó

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