SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Lampião, o Mito e as Divergências

Cunha Carneiro (*)
Fotografia: Benjamin Abraão
Ainda hoje, exatamente no dia de hoje, passados 70 anos da morte de Virgulino Ferreira da Silva - o Lampião -, sua mulher Maria de Déa - a Maria Bonita -, e mais nove cangaceiros, várias interrogações se colocam em torno desse homem-lenda que assombrou o sertão nordestino por mais de 20 anos no século passado.

As divergências de opiniões e de informações transformam as certezas em meras suposições e trazem dúvidas às glosas dos mais afamados cantadores, aos veredictos dos mais íntegros juízes, aos mais afincados estudos de ínclitos pesquisadores, às afirmações dos mais eruditos escritores.

Começando pela grafia do próprio nome, Virgulino ou Virgolino, e porque Silva - se nem seu pai ou sua mãe carregavam esse sobrenome? Daí passamos à divergência quanto a sua data de nascimento. Os documentos trazidos à tona para essa polêmica, são uma certidão de registro de nascimento, passada pela Oficial do Registro Civil do distrito de Tauapiranga, Município de Serra Talhada, Iraci Alves dos Santos, em 10 de fevereiro de 1968 e um batistério da Paróquia de Bom Jesus dos Aflitos, da Diocese de Floresta, assinado pelo Pe. Evaldo Bette, Vigário Geral daquela freguesia, datado de 10 de agosto de 1967.

O primeiro documento dá fé que Virgolino, filho de “José Ferreira dos Santos e de Maria Sulena da Purificação”, nasceu no dia 07 de julho de 1897 e que foi batizado, sendo padrinhos Manoel Pedro Lopes e Maria José da Soledade.

O batistério, por sua vez, atesta que em 03 de setembro de 1898, foi batizado Virgolino, nascido em 04 de junho de 1898, filho legítimo de “José Ferreira e de Maria Vieira da Soledade” e que foram padrinhos Manuel Pedro Lopes e Maria José da Soledade.

Tirante os nomes dos padrinhos, os demais dados dos registros são discrepantes, o que torna ambos os documentos de credibilidade duvidosa.

No tocante à morte de Lampião, temos a “dúvida do veneno”! Foi, ou não, Lampião envenenado ou drogado antes de ser morto e degolado?

Há controvérsias. Zé Sereno, seu lugar-tenente, sobrevivente do massacre de Angicos, afirmou categoricamente, em várias entrevistas, até a sua morte em 1981, que as garrafas de “zinebra” e de conhaque tinham pequenos furos nas tampas e que a cabroeira estava “cansada e cochilando cedo”, como se tivesse tomado “alguma droga” que contribuísse para isso.

Em contraposição, sua mulher, Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, disse-nos pessoalmente no dia 28 de novembro de 1984, em Brasília, quando do lançamento de seu livro “Sila, Uma Cangaceira de Lampião”, que a história do veneno era “conversa fiada”.

Muitos outros pesquisadores e personagens da época abraçam essa teoria, como o Cel. José de Alencar que, em entrevista ao “Diário de Pernambuco” de 27 de julho de 1982, afirmou: “Lampião jamais seria vencido pelos soldados de João Bezerra se não tivesse sido antes envenenado e atraiçoado pelos seus próprios cabras.”
Comungam ou comungaram desse pensamento outros não menos célebres perseguidores de Lampião, como Higino Belarmino, Teófanes Torres, Alípio Ferraz e Manuel Neto.

Baseiam-se, para corroborar sua ilação, em dois principais pontos de vista:
- primeiro: Lampião nunca perdeu mais de três companheiros em qualquer fogo, mesmo em desvantagem numérica de pelejadores;
- segundo: como não se ouvir a movimentação de uma tropa (quase 50 homens!), fortemente armada de equipamento pesado, que incluía quatro metralhadoras, deslocando-se no silêncio da madrugada, no sertão nordestino?
Para esse segundo enfoque há uma versão corrente promulgada por muitos escritores sobre o assunto: Lampião aguardava, sim, João Bezerra! Não como algoz, mas como fornecedor de armas e munição, fato largamente comentado nos escritos sobre o tema.

Há ainda um outro final aventado para o fim do Rei do Cangaço: Lampião não morreu no grotão do Angico!

Pasmem! José Alves Sobrinho, sobrinho e afilhado de José Alves de Barros, o Zé Saturnino, primeiro desafeto da família Ferreira, em seu livro “Lampião e Zé Saturnino” (Edições Bagaço – 1996), informa que por declarações de “Ezaquiel Ferreira, irmão caçula de Lampião” (sic), este mais Luiz Pedro, Félix da Mata Redonda e o próprio “Ezaquiel” abandonaram o cangaço em 20 de julho de 1938, quando saíram da Fazenda Angico, antes da chegada da volante.

Diz ainda que Lampião se bandeou para os lados de Goiás, onde comprou terras em Tocantinópolis, ali estabelecendo sua fazenda produtiva, até a sua morte em setembro de 1981.

Não vamos aqui tergiversar sobre esses pontos de vista, até porque não nos compete emitir opiniões sem embasamento. Deixemos que a pesquisa, essa ferramenta sublime, arma maior de estudiosos incansáveis, que nunca terminará, passem-se setenta ou mil anos, traga à luz as respostas a todas essas indagações e sepulte com a terra da verdade as dúvidas que persistem.
Para isso em muito contribui a Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço - a SBEC -, com sede em Mossoró (RN), cujo empenho em apurar a veracidade dos fatos é indispensável para os estudos atinentes à matéria. A inauguração de sua página na Internet (http://www.sbec-br.org/), é iniciativa que, sem dúvida, dará ensejo a uma multiplicidade de novos conhecimentos e aparecimento de fontes de pesquisa, mundo afora, escopo maior da Entidade.

(*) Escritor, poeta e pesquisador.

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